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21 de mar. de 2013

Sobre o Futuro do Trabalho


Questão recorrente no noticiário econômico diz respeito ao nível de desemprego na economia. Na Europa, a taxa de desemprego tem se mantido historicamente elevada. No Brasil também, embora os últimos governos venham defendendo o contrário, utilizando-se de critérios questionáveis. De modo similar, os EUA registram tradicionalmente baixo nível de desemprego, mas com critério de avaliação que considera o trabalho parcial.
Indaga-se a seguir até que ponto o desemprego não seria de certa forma estrutural, particularmente no que diz respeito ao setor industrial, em decorrência do desenvolvimento tecnológico.
A qualidade de bens produzidos está cada vez menos ligada à quantidade de trabalho humano que os produtos incorporam e, sobretudo, à quantidade de trabalho executivo fornecido pelos cidadãos do Primeiro Mundo. Isso determina, nos países ricos, o fenômeno cada vez mais acentuado do "desenvolvimento sem trabalho", como desemprego crescente. (De Masi, 1999, p. 24)
Nesse sentido, parece ser aceito com naturalidade a existência de uma taxa de desemprego acima do que seria natural ou friccional (decorrente da mudança de empregos e entrada de novos trabalhadores no mercado, quando numa situação de pleno-emprego).
Uma questão crítica para a política econômica é saber quando a economia está no pleno emprego – com uma taxa de desemprego de 5%, 4% ou 6%? Os responsáveis pela política econômica deveriam, deparados com uma taxa de desemprego de 6%, tentar sustentar a demanda por crescimento acima da tendência de puxar o desemprego para baixo? A questão surge em recuperações, uma vez que o desemprego tem declinado de níveis recordes, e não há nunca uma resposta satisfatória. Alguns argumentam que há um risco pequeno, se houver realmente, em puxar o desemprego para baixo para um nível abaixo dos 5%. Na pior das hipóteses poderia haver um aumento na inflação, mas mesmo isso pode não acontecer. Outros começam a se preocupar assim que a taxa de desemprego cai para um nível abaixo dos 7%, advertindo que a brusca aceleração da inflação é o resultado inevitável do superaquecimento da economia com os mercados de trabalho apertados.
No início de 1986 a taxa de desemprego caiu abaixo dos 7% [nos EUA] e desde então a questão de onde exatamente está o pleno emprego tem sido debatida. Não há uma resposta correta única. Uma resposta pragmática é a de escolher uma marca. Esta abordagem é algo arbitrária e é a mais aplicada com a utilização da década de 60 como ponto de referência [...] (Dornbusch, Fischer, 1991, p. 647-648)
Dessa forma, a aceitabilidade de trabalhos temporários, parciais ou específicos (por tarefas ou projeto, por exemplo) tende a torna-se cada vez mais comum, enfraquecendo as instituições sindicais e forçando à revisão das legislações trabalhistas.
Além disso, para se habilitar aos melhores trabalhos e alcançar reconhecimento profissional, o indivíduo necessita cada vez mais de uma formação educacional e de uma propensão ao aprendizado constante. O trabalho, que sempre teve característica de labuta, de obrigação, de punição, sofrimento e restrição, começa assim a destacar a questão do sucesso pessoal, do reconhecimento social. Os nobres de outrora não trabalhavam, os executivos de hoje, porém, trabalham mais horas que seus subordinados.
Sendo assim, como fica o chefe moderno? A resposta é simples: esgotado pelo excesso de trabalho. Ele enfrenta um desafio muito mais complexo do que o de seus antecessores: espera-se que o chefe de hoje delegue poder e, ao mesmo tempo, mantenha alguma forma de controle; que aproveite os talentos criativos de seus funcionários e, ao mesmo tempo, crie uma cultura comum dentro da empresa. Hoje, o chefe tem que passar muito mais tempo reunido com esses irritantes trabalhadores do conhecimento que se espalham por número cada vez maior de países. Além de tudo, ele tem que ser o revolucionário que pode ter fracassado no passado e que conhece bem tanto Aristóteles quanto Drucker. Não é surpresa que o mercado de busca de executivos esteja crescendo 15% ao ano e que seja normal ver os chefes divorciando-se ou casados com a secretária. (Micklethwalt, Mooldridge, 1998, p. 142-143)
No outro extremo, a economia capitalista tem necessidade de repensar a divisão social do trabalho, de modo a manter seu dinamismo com os recursos que começam a se tornar subutilizados. Não é de estranhar, portanto, que, concomitantemente à diminuição da jornada de trabalho, temos o desenvolvimento das atividades econômicas ligadas aos setor de lazer. Por outro lado, a existência de indivíduos com maior tempo disponível não necessariamente implica em aumento de consumo, principalmente se alocados em subempregos. O tempo livre, por si só, pode também se constituir em fonte de desestruturação social, do que é exemplo o problema da violência.
Domenico De Masi, defensor da necessidade de redefinição da postura pessoal perante o trabalho, assim dimensiona tal questão:
Com base nas estatísticas, um homem de 20 anos tem diante de si pelo menos 60 de vida. Traduzidos em horas, como a carga de uma bateria, 60 anos equivalem a 525 mil horas.
Se esse homem encontrasse hoje mesmo um trabalho estável, se o deixassem trabalhar em paz até os 60 anos e se trabalhasse todo dia – como é mais do que certo – o suficiente para acumular duas mil horas de trabalho por ano, ainda assim, no todo, sua experiência não superaria as 80 mil horas.
Naturalmente, esse homem deverá dedicar parte considerável da vida – digamos, dez horas por dia – ao sono, aos cuidados do corpo, aos afazeres domésticos. Tudo somado, outras 219 mil horas.
Depois de tudo, portanto, tirando o trabalho e os cuidados do corpo, o nosso jovem tem diante de si um monte de tempo livre. O trabalho representará, portanto, mais ou menos a sétima parte da longa vida que lhe resta e cerca de um terço do seu tempo livre total. E todos – a família, a escola, o governo, os mass media – preocupam-se em prepará-lo para uma profissão, mas ninguém se preocupa em prepará-lo para o ócio. (De Masi, 1999, p. 11)
Preparar para o ócio não significa a defesa da vadiagem, mas preparar o indivíduo para gerir bem suas horas livres, procurando novos horizontes, outras formas de aprendizado que não necessariamente vinculadas ao trabalho cotidiano. É preparar o indivíduo para não se tornar um mero indolente fora do ambiente de trabalho ou alguém propenso a descarregar sua energia de forma socialmente negativa. Em termos sociais, é algo que até o momento não constituía preocupação no sistema econômico e para o qual ainda não estamos devidamente preparados.
A “vadiagem” é fácil; mas o “lazer” é difícil. Para os jovens, principalmente, é provável que signifique rebuliço frenético – ou então o árduo trabalho de “costurar” no trânsito de uma estrada movimentada – e não repouso filosófico. “Para ser um bom aristocrata, é preciso aprender a ociosidade dignificante desde a mais tenra infância”, era um dito comum na mais esnobe das sociedades ocidentais, a Whig do final do século dezoito e início do dezenove na Inglaterra. E “O diabo encontra trabalho para mãos desocupadas” é um provérbio ainda mais antigo. (Drucker, 1997, p. 294)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DE MASI, Domenico. O Futuro do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UNB, 1999.
DORNBUSCH, Rudiger, FISCHER, Stanley. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron, 1991.
DRUCKER, Peter. Fator Humano e Desempenho. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

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