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9 de jun. de 2015

Alíquota de ICMS Sobre Energia e Comunicações

ATENÇÃO:
Texto escrito em junho de 2015, na pendência de julgamento do Recurso Extraordinário 714.139-SC no Supremo Tribunal Federal (STF). Tal julgamento poderá implicar em alteração nas informações indicadas a seguir.

PORQUE AS ALÍQUOTAS DE ICMS SOBRE ENERGIA E COMUNICAÇÕES SÃO INCONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal, em seu art. 155, §2º, inciso III, estabelece que o ICMS "poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços" - ao contrário do IPI, que deverá ser seletivo (art. 153, §3º, inciso I).
Do dispositivo constitucional se infere que, ao instituir o ICMS, os Estados e Distrito Federal devem optar em estabelecer uma alíquota única, ou, caso contrário, definir alíquotas diversas com base no princípio da essencialidade dos bens e serviços a serem tributados.
Ou seja, o "poderá ser seletivo" não significa que o estado ou distrito federal possa abrir mão desse critério, à sua total conveniência. Significa, isso sim, que, uma vez que opte pela diferenciação de alíquotas de ICMS, será necessário levar em conta a essencialidade das mercadorias e serviços (trata-se de um poder-dever).
Assim, é necessário analisar o regramento do ICMS em cada estado da federação. Em geral, verifica-se que os estados optam pela diferenciação de alíquotas, mas o fazem sem qualquer critério coerente, sem considerar a essencialidade de mercadorias e serviços. Trata-se, portanto, de nítida inconstitucionalidade.
E qual deveria ser a alíquota aplicável? Aí vai depender da análise de cada regramento estadual. Não me parece correto dizer que seria, sempre, a alíquota geral adotada em cada estado, como se tem divulgado.
Por exemplo, no Estado do Espírito Santo existe previsão de alíquota de 12% de ICMS no consumo de energia exclusivamente direcionado para "produção agrícola - inclusive irrigação" (art. 71, II, c, decreto nº 1.090-R). Estabelecer alíquota diferente para certos setores não dirime a ofensa ao texto constitucional, já que se trata de distinção não relacionada à essencialidade do bem taxado. Parece ser considerado o pressuposto duvidoso que maior gasto com eletricidade implicaria em aumento de produtividade na produção agrícola - mas, se esse é o caso, por que também não beneficiar do mesmo modo outros setores produtores de bens essenciais, como pecuária, vestuário etc.?
O problema é que o Recurso Extraordinário 714.139-SC deixa claro que a alíquota aplicável deve ser a geral (é o que foi pedido no processo original).

O QUE DEVE SER REQUERIDO
O objetivo da ação deve ser a redução da alíquota de ICMS em contas de energia e serviços de comunicação (telefone e internet) para um percentual coerente com o comando constitucional.
Para tal, o juiz deverá considerar a alíquota aplicável no respectivo regulamento de ICMS do estado. Por isso que é errado dizer que o judiciário estaria legislando, está apenas indicando a alíquota correta dentro do ordenamento existente.
Deve ser pedida a revisão dos últimos 5 anos, para apuração dos créditos (art. 168 do Código Tributário Nacional) - a ser realizada ao final do processo, em fase de liquidação (art. 286, II e III, lei 5.869/1973).
IMPORTANTE: Em caso de vitória dos contribuintes no Recurso Extraordinário 714.139-SC, existe a possibilidade que o Supremo Tribunal Federal estabeleça a revisão tarifária pro futuro, mantendo as alíquotas do passado. Desse modo, pode acontecer de só aqueles que ajuizaram ações antes da decisão venham a ter direito ao crédito tributário.

QUEM PODE REQUERER O CRÉDITO
No caso de pedido de crédito (indébito tributário) de ICMS nas contas de energia elétrica e serviços de comunicação, deve-se considerar o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial 1.299.303/SC), que considerou a legitimidade do "contribuinte de fato" (aquele sob o qual recai o ônus econômico, repassado pelas concessionárias) para ajuizar ações.
Portanto, os consumidores residenciais de energia elétrica podem ser autores dessa ação. A questão é averiguar se os valores a serem restituídos seriam compensatórios para acionar o judiciário, devido aos gastos com custas e advogado.
Também podem ser autores dessa ação as empresas que não se aproveitam dos créditos de ICMS nas contas de energia e comunicações (empresas no Simples, lojistas etc.) - necessário avaliar cada caso, diante da importância da questão indicada no tópico seguinte.

O PROBLEMA DA ASSUNÇÃO DO ENCARGO FINANCEIRO
No caso de empresas que não podem se creditar de ICMS nas contas de energia e serviços de comunicação, uma questão a ser observada com cuidado diz respeito à regra do art. 166 do Código Tributário Nacional:
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
Nesse caso, o advogado deverá analisar o setor de atuação da empresa e considerar, em sua argumentação, aspectos como os seguintes:
* Indicar a impossibilidade de crédito de ICMS em gastos com energia e comunicação, indicando a forma de tributação da empresa.
* Indicar a metodologia de cálculo de preços no setor e a influência de forças competitivas. Por exemplo, abordando a relação entre custos variáveis, fixos, mark-up, além da elastividade-renda da demanda e das forças de mercado (interação entre potenciais entrantes, fornecedores, compradores, produtos substitutos etc.), impedindo o integral repasse de custos.
* Questionar o art. 166 do CTN junto ao o art. 128 do mesmo código, que estabelece que a responsabilidade tributária a terceiro deve ser estabelecida nos termos da lei, e não por suposições econômicas. Não existe disciplina legal para que o ICMS seja repassado no cálculo de preços (translação jurídica do encargo), como é garantido na relação contratual entre o poder concedente e a concessionária de serviços públicos.
* Questionar a constitucionalidade do art. 166 do CTN.
* Por fim, questionar a atribuição de prova diabólica (ad impossibilia nemo tenetur), como, inclusive, prevê expressamente o art. 373 do Novo Código de Processo Civil.
Os artigos indicados abaixo podem ser úteis na formulação de argumentos em termos econômicos:

OUTROS ASPECTOS
O caso não é indicado para mandado de segurança, pois haveria necessidade de dilação probatória para apuração dos valores a serem restituídos (ou compensados, se houver tal possibilidade no regulamento do ICMS). Além disso, não se pode afirmar que haja direito líquido e certo, posto que a definição final sobre o assunto depende de julgamento no STF (seria confronto contra lei em tese, o que é vedado para mandado de segurança, conforme Súmula 266 do STF).
Também não parece recomendado o pedido de tutela antecipada, tendo em vista a incerteza sobre o julgamento do recurso extraordinário. De todo modo, a questão está sobrestada, pois trata-se de julgamento em recurso repetitivo.