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30 de nov. de 2013

Trabalho de Costura Realizado em Casa

Certa vez, visitei uma fábrica no Paraná que produzia vários tipos de móveis. No setor que produzia estofados, o representante da empresa informou que eles cortavam as capas de tecido e, todo dia, alguém da empresa ia até as casas de costureiras deixar o material para costura, retirando a produção do dia anterior.
Não seria adequado perguntar detalhes, mas fiquei pensando... A região tinha outras fábricas do mesmo segmento, caracterizando-se por intensa concorrência. Outras empresas deveriam usar o mesmo sistema. Será que as mesmas costureiras faziam trabalho para mais de uma empresa? Ou será que as empresas usavam esse sistema como forma de tentar não caracterizar relação de emprego, de modo a evitar o pagamento de encargos trabalhistas?
O fato é que, atualmente, não há mais dúvida que não existe distinção, para caracterizar relação de emprego, entre o trabalho realizado em casa ou na sede da empresa. É o que deixa claro o art. 6° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
Art. 6° Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Dessa forma, não sendo o lugar de trabalho a questão de maior relevância, a relação de emprego, no caso, deve ser caracterizada por aspectos como habitualidade, subordinação, pessoalidade, onerosidade e sua relação com a atividade-fim da empresa.
Cabe observar, ainda, que é indicado que não exista controle de horário para o trabalho externo, com base no art. 62 da CLT. Caso contrário, a empresa estaria sujeita ao pagamento de horas-extras.
Além disso, conforme o tipo de trabalho realizado, a empresa não pode deixar de fornecer Equipamento de Proteção Individual (EPI) ao empregado externo, mantendo controle atualizado a respeito.
E, também, conforme o caso, a empresa deverá fornecer mobiliário e equipamentos que se mostrem necessários ao trabalho. Recomenda-se registrar tudo em documento assinado e até mesmo tirar foto de mobiliário e maquinário fornecido. Com esses cuidados, a empresa terá mais proteção em caso de eventual reclamação trabalhista.
Por fim, cabe observar que não se mostraria adequado considerar o cadastramento de costureira como Microempreendedor Individual (conforme Lei Complementar n° 123/06). Afinal, ela realizaria um serviço com características definidas pela empresa encomendante, inclusive com fornecimento de material. Além disso, estaria desempenhando uma atividade relacionada ao objeto social da empresa, de modo que a Justiça do Trabalho identificaria o caso como "terceirização ilícita" e verificaria subordinação hierárquica nessa relação de trabalho.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS:
BRASIL. Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>. Acesso em: 22 nov. 2013.
BRASIL. Decreto-Lei N.º 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 22 nov. 2013.

11 de nov. de 2013

Domenico De Masi: Tendências Para o Futuro

Seguem alguns apontamentos que registrei na palestra do sociólogo Domenico De Masi, no Seminário Internacional "Tendências Para o Futuro", realizado em Vitória-ES, no dia 09/10/2013.


Domenico De Masi destacou que apresentaria 10 previsões para 2020, com base em análises realizadas por grupos de estudos em que participa e conforme outras apresentações que já realizou.
Portanto, como o lapso temporal não é tão grande, considerei a palestra como análise de questões atuais. Além disso, entendo que o palestrante realizou comentários sobre pontos selecionados, e não uma efetiva avaliação sobre tendências para o futuro.
Nesse sentido, De Masi destacou os seguintes pontos, enfatizando que são aspectos relacionados entre si (motivo pelo qual cito cada um abaixo):
1. LONGEVIDADE
Daqui há cerca de 8 anos, o planeta terá mais 1 bilhão de seres humanos. E, sempre que se fala em crescimento da população, vem à baila o assunto disponibilidade de alimentos.   No entanto, ele observa que, mesmo com crises e guerras, a população mundial vem crescendo.
Além disso, é comum destacar o envelhecimento da população. Porém, ele não considera correto que se determine uma idade a partir do qual a pessoa envelheça, como indicam as leis sobre aposentadoria. Cada pessoa envelhece de forma diferente, em idade diferente, e isso é refletido pelo consumo de produtos farmacêuticos (que aumenta consideravelmente nos 2 últimos anos de vida).
2. TECNOLOGIA
Uma pessoa culta consegue usar a tecnologia para se tornar ainda mais culta. Assim, a grande questão não é possuir tecnologia, mas ter a capacidade de internalizar, de metabolizar, o conhecimento que ela propicia.
3. ECONOMIA
Em 2020, o PIB da China será igual ao dos EUA e novos países serão agregados ao grupo dos Brics, como África do Sul, Colômbia e Vietnam. Pela primeira vez, países que não fazem parte do primeiro mundo serão os que enriquecerão mais rapidamente.
Na visão de Domenico De Masi, o crescimento dos países ricos foi obtido graças à exploração de recursos dos países pobres. Mas essa situação não se observa mais. Por isso, os países ricos vêm registrando redução de crescimento econômico, ao contrário dos países emergentes
Assim, ele vê essa redistribuição da riqueza mundial como fator que implica na diminuição de guerras.
4. TRABALHO
Os países do primeiro mundo vêm concentrando esforços na produção de ideias, de inovações, no investimento em universidades, laboratórios e escolas. A China também está integrando esse quadro.
Assim, para De Masi, o primeiro mundo seria composto pelos países que produzem ideias, enquanto o segundo mundo diria respeito aos países que produzem bens. Já o terceiro mundo seria composto pelos países que apenas fornecem matérias-primas.
Nesse contexto, também são percebidas mudanças no ambiente de trabalho, com necessidade de maior conhecimento e o surgimento de novas práticas, como o teletrabalho.
Existe, também, um problema de redução de postos de trabalho e aumento de desemprego, que vem despertando movimentos reivindicatórios.
5. VIRTUALIDADE
A disseminação de novas tecnologias de comunicação torna mais difícil que o indivíduo fique entediado e que se isole da sociedade.
Além disso, existem pesquisas que procuram identificar remédios que funcionariam contra sentimentos ruins.
6. LAZER
Maior disponibilidade de tempo livre implicaria em mais conflitos e violência ou em paz social?
De Mais diz que chama de "ócio criativo" o movimento de delegar a máquinas o trabalho tedioso e perigoso, deixando aos humanos o trabalho intelectual e criativo. Assim, ócio criativo seria trabalhar e se divertir ao mesmo tempo. Nesse sentido, acredita que o Brasil representaria um contexto ideal para aplicação desse conceito, pois aqui não há muita divisão entre relações emocionais e racionais.
7. ANDROGENIA
As mulheres viverão, em média, 3 anos a mais que os homens. Será muito comum criarem seus filhos sozinhas e estarão no centro do sistema social. Por exemplo, ocuparão cerca de 60% das vagas nas universidades.
8. ÉTICA
O mundo em 2020 será mais rico, mas continuará desigual. Porém, serão menos conflitos que na época industrial, pois a concentração de trabalhadores no setor terciário é maior.
9. ESTÉTICA
A estética será o maior fator competitivo no mercado. Afinal, atingida a finalidade prática, o que diferencia um produto é seu design e a publicidade - enfim, fatores estéticos.
10. CULTURA
De Masi enfatiza a importância da educação, pois a necessidade de instrução será considerada como permanente, ocupando cerca de 100 mil horas de vida.
Verifica-se, com a internet, que a cultura vem sendo produzida por todos e para todos, de uma forma que nunca aconteceu. E isso destaca a importância da formação cultural.
Outras observações:
Durante sua exposição, De Masi disse que esteve num shopping center no Rio de Janeiro onde eram vendidos carros Ferrari e helicópteros. Observou que não Itália desconhecia da existência de um estabelecimento similar.
Assim, apresentou cenas de um documentário sobre produção em massa de alimentos, questionando sobre o que seria necessário para que todos tivessem um poder de consumo elevado.
Além disso, apresentou trechos de outro documentário, que travava de um programa de incentivo à música clássica (orquestras e corais infantis) em comunidades pobres da Venezuela.
Particularmente, fiquei com a impressão que o pensamento de Domenico De Masi não mudou desde quando li seus livros "O Futuro do Trabalho" (em 1999) e "O Ócio Criativo" (em 2000). Fico com a impressão que ele tem percepções muito fluidas, não muito consistentes, sobre o que seria essa nova concepção de trabalho - à qual, inclusive, não me parece adequada caracterizar com a palavra "ócio".
Nesse contexto, não vislumbro essa relevância que ele atribui ao Brasil, como ator importante em um novo paradigma de relações do trabalho. Muito pelo contrário, parece-me que o Brasil vem ficando para trás nesse novo contexto, como o próprio De Masi destaca nos pontos 3 e 4, sobre a importância do investimento em inovação (que verificamos no primeiro mundo e na China, mas não no Brasil).

Por fim, achei infeliz a inserção de trechos de documentários sobre consumismo e projeto musical na Venezuela. O que ele quis dizer com isso? Que devemos nos preocupar menos com bens materiais, aceitando uma situação de suposta igualdade na pobreza, diante do totalitarismo governamental - como é o caso do péssimo exemplo venezuelano?