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21 de mar. de 2013

Sobre o Futuro do Trabalho


Questão recorrente no noticiário econômico diz respeito ao nível de desemprego na economia. Na Europa, a taxa de desemprego tem se mantido historicamente elevada. No Brasil também, embora os últimos governos venham defendendo o contrário, utilizando-se de critérios questionáveis. De modo similar, os EUA registram tradicionalmente baixo nível de desemprego, mas com critério de avaliação que considera o trabalho parcial.
Indaga-se a seguir até que ponto o desemprego não seria de certa forma estrutural, particularmente no que diz respeito ao setor industrial, em decorrência do desenvolvimento tecnológico.
A qualidade de bens produzidos está cada vez menos ligada à quantidade de trabalho humano que os produtos incorporam e, sobretudo, à quantidade de trabalho executivo fornecido pelos cidadãos do Primeiro Mundo. Isso determina, nos países ricos, o fenômeno cada vez mais acentuado do "desenvolvimento sem trabalho", como desemprego crescente. (De Masi, 1999, p. 24)
Nesse sentido, parece ser aceito com naturalidade a existência de uma taxa de desemprego acima do que seria natural ou friccional (decorrente da mudança de empregos e entrada de novos trabalhadores no mercado, quando numa situação de pleno-emprego).
Uma questão crítica para a política econômica é saber quando a economia está no pleno emprego – com uma taxa de desemprego de 5%, 4% ou 6%? Os responsáveis pela política econômica deveriam, deparados com uma taxa de desemprego de 6%, tentar sustentar a demanda por crescimento acima da tendência de puxar o desemprego para baixo? A questão surge em recuperações, uma vez que o desemprego tem declinado de níveis recordes, e não há nunca uma resposta satisfatória. Alguns argumentam que há um risco pequeno, se houver realmente, em puxar o desemprego para baixo para um nível abaixo dos 5%. Na pior das hipóteses poderia haver um aumento na inflação, mas mesmo isso pode não acontecer. Outros começam a se preocupar assim que a taxa de desemprego cai para um nível abaixo dos 7%, advertindo que a brusca aceleração da inflação é o resultado inevitável do superaquecimento da economia com os mercados de trabalho apertados.
No início de 1986 a taxa de desemprego caiu abaixo dos 7% [nos EUA] e desde então a questão de onde exatamente está o pleno emprego tem sido debatida. Não há uma resposta correta única. Uma resposta pragmática é a de escolher uma marca. Esta abordagem é algo arbitrária e é a mais aplicada com a utilização da década de 60 como ponto de referência [...] (Dornbusch, Fischer, 1991, p. 647-648)
Dessa forma, a aceitabilidade de trabalhos temporários, parciais ou específicos (por tarefas ou projeto, por exemplo) tende a torna-se cada vez mais comum, enfraquecendo as instituições sindicais e forçando à revisão das legislações trabalhistas.
Além disso, para se habilitar aos melhores trabalhos e alcançar reconhecimento profissional, o indivíduo necessita cada vez mais de uma formação educacional e de uma propensão ao aprendizado constante. O trabalho, que sempre teve característica de labuta, de obrigação, de punição, sofrimento e restrição, começa assim a destacar a questão do sucesso pessoal, do reconhecimento social. Os nobres de outrora não trabalhavam, os executivos de hoje, porém, trabalham mais horas que seus subordinados.
Sendo assim, como fica o chefe moderno? A resposta é simples: esgotado pelo excesso de trabalho. Ele enfrenta um desafio muito mais complexo do que o de seus antecessores: espera-se que o chefe de hoje delegue poder e, ao mesmo tempo, mantenha alguma forma de controle; que aproveite os talentos criativos de seus funcionários e, ao mesmo tempo, crie uma cultura comum dentro da empresa. Hoje, o chefe tem que passar muito mais tempo reunido com esses irritantes trabalhadores do conhecimento que se espalham por número cada vez maior de países. Além de tudo, ele tem que ser o revolucionário que pode ter fracassado no passado e que conhece bem tanto Aristóteles quanto Drucker. Não é surpresa que o mercado de busca de executivos esteja crescendo 15% ao ano e que seja normal ver os chefes divorciando-se ou casados com a secretária. (Micklethwalt, Mooldridge, 1998, p. 142-143)
No outro extremo, a economia capitalista tem necessidade de repensar a divisão social do trabalho, de modo a manter seu dinamismo com os recursos que começam a se tornar subutilizados. Não é de estranhar, portanto, que, concomitantemente à diminuição da jornada de trabalho, temos o desenvolvimento das atividades econômicas ligadas aos setor de lazer. Por outro lado, a existência de indivíduos com maior tempo disponível não necessariamente implica em aumento de consumo, principalmente se alocados em subempregos. O tempo livre, por si só, pode também se constituir em fonte de desestruturação social, do que é exemplo o problema da violência.
Domenico De Masi, defensor da necessidade de redefinição da postura pessoal perante o trabalho, assim dimensiona tal questão:
Com base nas estatísticas, um homem de 20 anos tem diante de si pelo menos 60 de vida. Traduzidos em horas, como a carga de uma bateria, 60 anos equivalem a 525 mil horas.
Se esse homem encontrasse hoje mesmo um trabalho estável, se o deixassem trabalhar em paz até os 60 anos e se trabalhasse todo dia – como é mais do que certo – o suficiente para acumular duas mil horas de trabalho por ano, ainda assim, no todo, sua experiência não superaria as 80 mil horas.
Naturalmente, esse homem deverá dedicar parte considerável da vida – digamos, dez horas por dia – ao sono, aos cuidados do corpo, aos afazeres domésticos. Tudo somado, outras 219 mil horas.
Depois de tudo, portanto, tirando o trabalho e os cuidados do corpo, o nosso jovem tem diante de si um monte de tempo livre. O trabalho representará, portanto, mais ou menos a sétima parte da longa vida que lhe resta e cerca de um terço do seu tempo livre total. E todos – a família, a escola, o governo, os mass media – preocupam-se em prepará-lo para uma profissão, mas ninguém se preocupa em prepará-lo para o ócio. (De Masi, 1999, p. 11)
Preparar para o ócio não significa a defesa da vadiagem, mas preparar o indivíduo para gerir bem suas horas livres, procurando novos horizontes, outras formas de aprendizado que não necessariamente vinculadas ao trabalho cotidiano. É preparar o indivíduo para não se tornar um mero indolente fora do ambiente de trabalho ou alguém propenso a descarregar sua energia de forma socialmente negativa. Em termos sociais, é algo que até o momento não constituía preocupação no sistema econômico e para o qual ainda não estamos devidamente preparados.
A “vadiagem” é fácil; mas o “lazer” é difícil. Para os jovens, principalmente, é provável que signifique rebuliço frenético – ou então o árduo trabalho de “costurar” no trânsito de uma estrada movimentada – e não repouso filosófico. “Para ser um bom aristocrata, é preciso aprender a ociosidade dignificante desde a mais tenra infância”, era um dito comum na mais esnobe das sociedades ocidentais, a Whig do final do século dezoito e início do dezenove na Inglaterra. E “O diabo encontra trabalho para mãos desocupadas” é um provérbio ainda mais antigo. (Drucker, 1997, p. 294)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DE MASI, Domenico. O Futuro do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UNB, 1999.
DORNBUSCH, Rudiger, FISCHER, Stanley. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron, 1991.
DRUCKER, Peter. Fator Humano e Desempenho. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

10 de mar. de 2013

Centro de Responsabilidade e Preço de Transferência: Análise em Empresa Siderúrgica


Geraldo Magela R. dos Santos
José Marcelo Rigoni

I. INTRODUÇÃO
Duas questões que se destacam no gerenciamento de organizações, particularmente de maior porte, são a descentralização administrativa (na forma de criação de centros de responsabilidade) e a definição de preços de transferências entre unidades da mesma organização, como se verificará na revisão bibliográfica a seguir.
Diante disso, o presente artigo se fundamenta na avaliação desses aspectos apresentados em estudos anteriores e sua verificação prática em um caso concreto, conforme o seguinte questionamento: Como a divisão em centros de responsabilidade e definição de preços de transferência é aplicada numa indústria siderúrgica selecionada?
Para efetivar tal verificação, foi realizada uma revisão bibliográfica a respeito de classificações e conclusões de estudos anteriores, procedendo-se em seguida a análise da aplicação desses conceitos em uma empresa selecionada.
Desta feita, o artigo é dividido em seções onde há conceituação e classificação de centros de responsabilidade (seção II), definição e considerações a respeito de preços de transferência (seção III), aplicação dos conceitos em um estudo de caso (seção IV) e conclusão (seção V) levando em conta os conceitos apresentados e a verificação realizada à luz de uma abordagem com base na teoria neo-institucional.

II. CENTROS DE RESPONSABILIDADE
Diante das dificuldades de gerenciamento verificadas com o crescimento das organizações, quando se torna mais difícil a avaliação de todos os aspectos relacionados a seu funcionamento, faz-se necessária a adoção de medidas de descentralização, dentre as quais merece destaque a divisão da organização em centros de responsabilidade (Albuquerque, Silva, 2010; Junqueira, Moraes, 2005; Hansen, Mowen, 2003, p. 316; Figueiredo, 1995).
A esse respeito, observa-se que quanto maior a organização, maior a necessidade de um sistema de controle formalizado onde seja possível assegurar o funcionamento da delegação de autoridade e avaliar os resultados alcançados (Albuquerque, Silva, 2009).
Para tal, conceitua-se centro de responsabilidade como uma unidade de organização da empresa, responsável por cumprir objetivos determinados, sob responsabilidade de um executivo (Govindarajan, Anthony, 2002, pp. 180-181).
Um fator fundamental na delimitação de centros de responsabilidade está relacionado à adequação entre controle e ação. O executivo responsável por cada centro de responsabilidade deve ter objetivos delimitados e dispor dos meios para tomar as decisões pertinentes (Emch, 1954). Trata-se do chamado Princípio da Controlabilidade, que estabelece que o executivo responsável por um centro de responsabilidade deve responder somente pelas despesas, custos e investimentos que controla no centro de responsabilidade em que atua (Atkinson et al., 2000, apud Junqueira, 2005).
Dentre as vantagens em se dividir uma organização em centros de responsabilidade, são observados fatores como melhor disponibilidade de informações localmente, respostas mais rápidas, motivação dos gestores responsáveis e competitividade entre as divisões - diante da individualização e comparação de seus resultados (Hansen, Mowen, 2003, pp. 318-319; Maher, 1999, apud Junqueira, Moraes, 2005).
Por outro lado, a administração dividida em centros de responsabilidade pode ocasionar problemas, como  a duplicação de atividades, maior dificuldade na disseminação de inovações e os executivos tendem a priorizar metas individuais (Jiambalvo, 2002, apud Junqueira, Moraes, 2005).

2.1 Tipos de Centros de Responsabilidade
Para fins de caracterização, os centros de responsabilidade podem ser classificados conforme sua natureza. Desta forma, são identificados centros de responsabilidade dos seguintes tipos: centro de receitas, centro de despesas, centro de lucros e centro de investimento.
A definição do tipo de centro de responsabilidade, bem como sua área de delimitação, depende da avaliação de cada organização, sendo aspecto fundamental nesse sentido, conforme já exposto, que o executivo encarregado detenha controle sobre as atividades que afetam o resultado pelo qual será avaliado, em conformidade com o Princípio da Controlabilidade (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 235).
Desta forma, para efeitos de classificação podemos considerar:
CENTROS DE RECEITAS - têm como principal parâmetro a receita, a entrada de recursos financeiros decorrentes das operações da organização. Normalmente são voltados para atividades de marketing, para vendas, sendo avaliados por orçamentos ou cotas (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 186).
CENTROS DE DESPESAS OU CUSTOS - são centros de responsabilidade onde o foco está no controle das despesas (entradas), sob responsabilidade de determinado executivo (Govindarajan, Anthony, 2002, pp. 186-187).
Em complemento, existe a subclassificação em centros de despesas disciplinados e discricionários:
Centros de despesas disciplinados dizem respeito a centros de despesas onde seja possível a atribuição monetária entre custos incorridos e resultado verificável, mesmo que através de estimação. Normalmente dizem respeito a atividades operacionais, que estabelecem o custo padrão para comparação com o custo real na empresa, o que permite estabelecer uma relação entre as entradas e saídas (Govindarajan, Anthony, 2002, pp. 187-188).
Centros de despesas discricionários, por outro lado, são aqueles mais relacionados às políticas de setores administrativos e de apoio adotadas pela administração da empresa. Nesse caso, não há como estabelecer ou estimar uma relação direta entre entradas e saídas (Govindarajan, p.188). Seu controle nem sempre pode ser estabelecido por parâmetros financeiros, como é o caso da qualidade dos serviços prestados (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 194). São departamentos que prestam serviços a outros centros de responsabilidade - a comparação entre o custo real e o custo orçado não indica o grau de eficiência na consecução das tarefas (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 194).
CENTROS DE LUCROS OU DE RESULTADOS - tratam-se dos centros de responsabilidade onde o resultado é avaliado monetariamente com base no lucro, na diferença entre receitas (saídas) e despesas (entradas). Quando viável, a disseminação desse critério apresenta como vantagem a harmonização da medição de desempenho na organização, permitindo melhor comparação na avaliação de desempenho das unidades por parte da alta administração (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 226).
CENTROS DE INVESTIMENTO - tratam-se de unidades com poder de decisão sobre avaliação e realização de investimentos - decisão sobre manter ou abandonar produtos, abrir ou fechar unidades, etc. (Hansen, Mowen, 2003, p. 317). Nesse caso, os gestores responsáveis são avaliados considerando-se o resultado alcançado em relação ao investimento fixo de sua unidade (Albuquerque, Silva, 2010).
Nos centros de investimento há destaque na avaliação de resultados com medidas financeiras, como Retorno Sobre o Investimento (ROI), Lucro Residual e Valor Econômico Adicionado (EVA), entre outras (Hansen, Mowen, 2003, pp. 321-330; Junqueira, Moraes, 2005), o que, porém, em nada restringe a aplicação de medidas de desempenho não financeiras conforme a necessidade de cada caso.

III. PREÇO DE TRANSFERÊNCIA
Diante da necessidade de descentralização administrativa em grandes organizações (conforme exposto), surge a necessidade fundamental de se definir preços de transferência para contabilizar as transações realizadas entre diferentes centros de responsabilidade, particularmente entre centros de lucro, onde tal questão tem influência direta na avaliação de resultados (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 271).
Nesse sentido, preço de transferência é definido como o valor a ser pago por produtos e serviços relativos a transferências entre subsidiárias e outros segmentos (divisões, filiais, empresas do grupo, etc.) de uma mesma corporação - o que também permite aos executivos responsáveis avaliar se é mais viável transacionar com empresas ou divisões do mesmo grupo ou adquirir produtos e serviços no mercado (Burke, 2011; Horngreen et al., 2004, apud Junqueira, Moraes, 2005).
A instituição de um critério para determinação de preço nas transações entre centros de lucro é aspecto de cunho econômico, devendo considerar a motivação para tomada de decisões e a melhor avaliação de custos e receitas (resultados) de cada unidade (Govindarajan, Anthony, 2002, pp. 271-271).
Assim, os preços de transferência comercializados internamente devem impedir, ou pelo menos minimizar, o repasse de eficiências ou ineficiências entre as divisões, de modo que a responsabilidade pelo resultado se mantenha no âmbito decisório de cada executivo responsável (Junqueira, Moraes, 2005).
Quando possível e viável, o preço de transferência deve ser similar ao preço de mercado competitivo (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 273; Burke, 2011), com base em critérios simples e de fácil assimilação. Mas muitos fatores podem influenciar a determinação do preço de transferência, tais como: políticas internas, excesso ou falta de capacidade de produção, rivalidade entre centros de responsabilidade, produto sem similar no mercado, etc.
Em situações onde não exista um preço de mercado, e este não possa ser estimado, uma alternativa é a adoção de preço de transferência que tenha como base os custos incorridos (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 278).
O preço de transferência também pode ser ajustado diante da não existência de certos custos nas transações internas, como publicidade, comissão de venda, provisão para créditos duvidosos, etc. (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 274; Junqueira, Moraes, 2005). Nesse caso, normalmente considera-se o custo padrão (para que não sejam repassadas ineficiências) e aplica-se uma "margem de lucro" (Govindarajan, Anthony, 2002, p. 278).

3.1 Aspectos Legais
Além da questão de atribuição de resultados para cada centro de responsabilidade, a definição de preço de transferência deve levar em conta aspectos legais, principalmente quando há unidades localizadas em diferentes áreas geográficas, particularmente países distintos.
Observa-se que, conforme definição de critérios para preços de transferência, as empresas, particularmente multinacionais, podem realizar planejamento tributário de modo a diminuir sua carga fiscal total ao transferir resultados de países com maior carga tributária para países com menor nível de tributação. Para coibir essa prática, as autoridades fiscais vêm considerando o preço de mercado como parâmetro para investigação da consistência dos preços de transferência (Buter, 2011).
O critério adotado na avaliação de preços de transferência é denominado de Princípio "Arm's Length" (Princípio da "Distância de um Braço", o que implica proximidade, controlabilidade), o qual estabelece que as transações entre empresas relacionadas de um mesmo grupo devem usar os mesmos critérios de preço que seriam aplicados em condições similares em transações no mercado (Burke, 2011).
Diante disso, as empresas multinacionais têm procurado utilizar o preço de mercado como critério de preço de transferência, como forma de evitar problemas com autoridades fiscais. Porém, a questão não se mostra tão simples quando não há um preço de mercado identificável e outro critério deve ser estabelecido, o que propicia grande subjetividade por parte das autoridades fiscalizadoras (Cools et al., 2008).
Nesse cenário tem sido ainda observado um crescente aumento no regramento legal e na fiscalização da aplicação de preços de transferências internacionalmente (Cools et al., 2008), de modo que tal questão assumiu status de alta prioridade nas empresas multinacionais (Tully, 2012).

IV. ESTUDO DE CASO
Para avaliar os aspectos disponibilizados na revisão bibliográfica a respeito de centros de responsabilidade e preços de transferência em relação à realidade empresarial, considera-se a seguir as operações no Brasil de uma grande companhia siderúrgica multinacional.
A empresa analisada trata-se da maior produtora de semi-acabados de aço do mundo, dispondo de estrutura integralizada verticalmente, compreendendo desde a mineração de ferro e carvão até a fabricação de placas de aço, bobinas e peças galvanizadas.

4.1 Operações interorganizacionais (mesma localização geográfica)
Em 2006 a empresa realizou grande investimento em seu parque industrial, expandindo sua capacidade produtiva de 5 milhões para 7,5 milhões de toneladas/ano. Não obstante, com a crise econômica mundial iniciada em 2008, tal projeto não atingiu os resultados planejados, de modo que no cenário atual opera com capacidade ociosa, produzindo cerca de 6 milhões de toneladas/ano.
No que diz respeito à fabricação de placas de aço, outrora atividade principal da empresa no Brasil, constata-se grande deterioração nos preços praticados no mercado mundial, tanto em decorrência da queda na atividade econômica desde a crise de 2008, quanto em virtude da atuação chinesa com práticas agressivas de redução de preços para ganho de mercado. A realidade atual indica que o custo de fabricação de placa de aço no Brasil é maior que o preço praticado pelos fabricantes chineses no mercado mundial.
Diante desse cenário, e por produzir commodities, o controle de custos assume aspecto primordial na realização das atividades internas.
Nesse contexto, a estrutura organizacional é dividida em centros de responsabilidade. No caso do departamento industrial, podemos identificar a seguinte divisão:


ÁREAS DE PRODUÇÃO (FERRO GUSA E AÇO) - tratam-se de plantas produtivas distintas, mas localizadas dentro da mesma área da empresa. São avaliadas com base em métricas de produção e estrito controle de custos.
O controle de custos é realizado com base no custo padrão e cada área tem seu próprio orçamento, que é acompanhado mensalmente. Os gestores são avaliados com base no desempenho de sua área (em acordo com o princípio da controlabilidade).
Em relação aos conceitos apresentados, tais unidades produtivas são consideradas como centros de responsabilidade do tipo centro de despesas disciplinados, onde há relação direta entre os inputs (matéria-prima, horas de trabalho, energia, etc.) e outputs (toneladas de produtos fabricados).
ÁREA DE PLANEJAMENTO, CONTROLE E QUALIDADE - trata-se de centro de responsabilidade encarregado de controle e acompanhamento do processo produtivo, definindo metas, determinando a programação de produção e acompanhando os resultados, além de avaliar os aspectos de qualidade inerentes ao processo (incluindo desperdício e perdas) e dos produtos finais. Nesse caso, trata-se de centro de despesa do tipo discricionário, pois não há relação direta entre os recursos empregados e o resultado alcançado (até porque a principal função desse departamento é potencializar o desempenho do setor produtivo). Nesse caso, o controle de gastos é estabelecido com base no planejado em orçamento, com controle estrito de despesas, além do acompanhamento de resultados com base em métricas relacionadas ao setor produtivo (produtividade, perdas, devolução de produtos, tempo de fabricação, etc.).  
ÁREA DE MANUTENÇÃO - o processo produtivo na siderurgia é caracterizado pelo uso intensivo de maquinário, de modo que o planejamento e realização de manutenções torna-se aspecto essencial. Desta forma, o departamento de manutenção assume grande importância na empresa e deve atuar de forma pró-ativa, não só corrigindo eventuais problemas nos equipamentos de produção, mas, principalmente, promovendo ações preventivas de modo a evitar paralisações. Assim, essa área também é tratada como centro de despesas do tipo discricionário, pois não é possível estabelecer uma relação direta entre os recursos direcionados à atividade e o resultado alcançado, até porque o resultado esperado é que a manutenção garanta a estabilidade operacional. Dessa forma, a avaliação do departamento leva em conta o acompanhamento de orçamento e métricas relacionadas à produção (como número de horas paradas com manutenção, problemas verificados durante o processo produtivo, etc.).
ÁREA DE INVESTIMENTO - diante da dimensão de seu parque industrial (que dispõe de diferentes plantas de processamento e até mesmo um porto com alto volume de movimentação) e da complexidade das operações desenvolvidas, a empresa dispõe de um departamento cuja principal finalidade é a proposição e avaliação de oportunidades de investimentos e melhorias no processo produtivo. Não se trata, porém, de um centro de responsabilidade do tipo centro de investimentos, mas sim do tipo centro de despesa discricionário. Isso porque o departamento está sujeito ao estrito cumprimento de orçamento delimitado para suas atividades e, inclusive, dispõe de uma dotação máxima anual para realização desses investimentos - acima de determinado valor, os investimentos devem ser aprovados pela alta administração. Desta forma, o desempenho do departamento é avaliado pelo cumprimento do orçamento, pelo prazo de implantação e pelo retorno dos investimentos realizados.

4.2 Operações externas (unidades em diferentes localizações geográficas)
Diante do cenário de deterioração de preços internacionais, particularmente no que diz respeito a placas de aço (onde, muitas vezes, o preço de mercado encontra-se abaixo do custo de produção da empresa), surgiu a busca pela diversificação de produtos fabricados pela companhia.
Dessa forma, a empresa instalou equipamentos para laminação de placas de aço, de modo a realizar a produção de bobinas de aço - produto de maior valor agregado, utilizado na fabricação de barcaças e navios, tubos e eletrodutos, construções metálicas, botijões e cilindros de gás, rodas automotivas, entre outros.
Além disso, com base na filosofia de agregar maior valor aos seus produtos, a empresa adquiriu uma planta industrial localizada em outro estado da federação, especializada na fabricação de produtos galvanizados (direcionados principalmente à indústria automobilística e linha branca), cuja principal matéria-prima são as bobina de aço fabricadas na planta original.
Tal planejamento é melhor percebido ao se considerar o seguinte:
Conforme já exposto, o mercado de placas de aço encontra-se deteriorado, com preço de venda normalmente abaixo do custo de fabricação. De forma simplificada, para efeitos de comparação, podemos considerar o custo de fabricação de cada placa de aço em R$ 1.000, enquanto seu preço de venda no mercado estaria por volta de R$ 900.
Com a implantação do sistema de laminação das placas de aço, a empresa registra um custo aproximado de R$ 1.200 no processo de fabricação das placas de aço e transformação em bobinas. Nesse caso, as bobinas seriam revendidas a um preço aproximado de R$ 1.600 - o que não constitui grande margem, mas melhora significativamente o resultado.
Por fim, com a aquisição da planta para fabricação de aço galvanizado, o custo total das operações é de aproximadamente R$ 1.700 (fabricação das placas de aço, transformação em bobinas e modelagem das bobinas em produtos galvanizados). Nesse caso, porém, o preço médio de mercado é de R$ 2.500, o que contribui decisivamente para melhora do resultado total.
Como a unidade produtora de galvanizados localiza-se em outro estado, a determinação de preço de transferência assume aspecto de grande importância. A emissão de notas fiscais de venda das bobinas de aço para essa outra planta industrial é feita com base no preço de custo, em conformidade com o previsto na legislação tributária aplicável.
Desse modo é observado que, se a empresa tivesse mantido a estratégia inicial de produzir somente placas de aço, estaria operando com prejuízo e provavelmente correndo o risco de encerrar suas atividades.
Diante da estratégia adotada, a unidade fabricante de produtos galvanizados é avaliada individualmente como um centro de responsabilidade do tipo centro de despesa disciplinado, onde o foco maior está na eficiência produtiva, na avaliação das entradas (insumos, horas de trabalho, energia, etc.) e saídas (produtos acabados), além de aspectos orçamentários.
Assim, o controle é realizado como se essa nova planta industrial estivesse localizada dentro do parque produtivo principal da indústria siderúrgica, exatamente como nos processos produtivos de ferro gusa e aço descritos acima.
Em função da distância geográfica, essa nova planta industrial dispõe de setores próprios para planejamento de produção, qualidade e manutenção, embora esteja de certa forma subordinada ao setor de investimento localizada na indústria siderúrgica (no parque principal), já que não dispõe de total autonomia na definição de suas operações.
Interessante notar que a atividade mais rentável da companhia encontra-se situada em localidade distante, porém controlada como se estivesse fisicamente integrada ao parque industrial principal.
Nesse caso, porém, não poderia haver liberdade de aquisição de matéria-prima no mercado internacional. Afinal, o preço praticado por fabricantes chineses, normalmente, está em patamar abaixo do custo verificado na operação siderúrgica no Brasil. Visivelmente a venda de galvanizados compensa prejuízos com a baixa margem de placas e bobinas de aço, de modo que a operação deve ser considerada como um todo, como uma empresa integralizada. Isso não significa, porém, que uma maior liberdade de atuação, com definição de responsabilidades e resultados a serem alcançados, seria inviável nesse cenário.
É preciso considerar que, devido ao tamanho e complexidade de seu parque fabril, a interrupção de atividades ou fechamento de unidades produtivas não são alternativas viáveis, diante das implicações dos custos de desinvestimento e sociais. Além disso, espera-se nos próximos anos a retomada da demanda de aço no mercado mundial.

V. CONCLUSÃO
Apesar dos aspectos da globalização, o gerenciamento de negócios, a administração, não é universal, diante das diferenças culturais entre países. O reconhecimento desse aspecto é de grande importância na definição de práticas de contabilidade gerencial (Portz, Lere, 2010; Muzzio, 2006).
Assim, as características do sistema de controle utilizado em uma organização sofrem influência de aspectos de origem interna (cultura interna, grau de descentralização, relações interpessoais, etc.) e de âmbito social (contexto de mercado, forma de atuação da concorrência, etc.), entre outros fatores (Gomes, Amat, 2001, apud Albuquerque, Silva, 2010).
Desta forma, ao considerarmos um estudo de caso, como aqui verificado a respeito da divisão organizacional em centros de responsabilidade e instituição de critério para preço de transferência entre unidades em localidades geográficas distintas, não basta considerar a efetividade do modelo escolhido em si, mas também lembrar que aspectos relacionados à crenças, conduta social, estabelecimento de padrões e rotinas, etc., influem na escolha e manutenção da seleção de um modelo de controle gerencial.
Essa concepção está em acordo com a teoria neo-institucional, que defende que o meio ambiente é ator ativo no universo organizacional, influenciando o comportamento adotado, na interação entre forças externas e valores dos executivos responsáveis, de modo que as práticas organizacionais não se reduzem a fatores de ordem econômica (Muzzio, 2006; Brundani, Endo, 2006; Oyadomari et al., 2008; Ma, Tayles, 2009).
Portanto, verifica-se, com o presente trabalho, que a classificação e características propostas pela literatura no que diz respeito aos aspectos relevantes sobre centro de responsabilidade e preço de transferência têm correspondência com a realidade prática, conforme verificado no estudo de caso realizado.
Porém, tal verificação, por si só, não deve ser considerada como fator de avaliação de efetividade do modelo escolhido no caso concreto, pois, para tal, seria necessária uma análise de fatores conjunturais (internos e externos à organização) que, de fato, conforme a teoria neo-institucional, têm influência na escolha do modelo de controle e critérios adotados. E esse fator torna altamente questionável qualquer juízo a respeito da existência de um modelo que poderia propiciar melhores resultados frente ao adotado no caso prático tratado.
De qualquer forma, mesmo admitindo a não existência de solução única e que a descentralização administrativa com maior responsabilidade local seja tendência modernamente reconhecida, não há o que se inferir contra a aplicabilidade do modelo adotado no estudo de caso realizado, que apresenta características de maior centralização.
Diga-se, afinal, que o modelo adotado na empresa siderúrgica considerada apresenta coerência lógica dentro do sistema de controle e vem se mostrando satisfatoriamente funcional.

VI. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ALBUQUERQUE, Cíntia de Melo de; SILVA, Márcia Rodrigues. Características do Sistema de Controle e o Desenho do Sistema de Controle. Pensar Contábil, v. 12, n. 49, set./dez. 2010, pp. 52-57.

BERTOLUCCI, Aldo Vicenzo. Preços de Transferência: aspectos fiscais. Caderno de Estudos, São Paulo, FIPECAFI, v.12, n. 23, p. 23 - 38, jan./jun. 2000.

BRUNDANI, Alex R.; ENDO, Gustavo Y. Teoria Institucional e Racionalidade Organizacional: uma abordagem cognitivista na concepção de estratégia. ETIC - Encontro de Iniciação Científica, v. 2, n. 2, 2006. Disponível em:
<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1202/1148>. Acesso em: 11 fev. 2013.

BURKE, John J. A. Re-Thinking First Principles of Transfer Pricing Rules. Virginia Tax Review, v. 30, n. 3, Winter 2011, p. 613.

BUTER, Clemens. International Transfer Pricing And The EU Code of Conduct. European Integration Studies, n. 5, 2011.

COOLS, M.; EMMANUEL, C.; JORISSEN, A. Management Control in The Transfer Pricing Tax Compliant Multinational Enterprise. Accounting, Organizations and Society, n. 33, pp. 603-628, 2008.

EMCH, Arnold F. Control Means Action. Harvard Business Review, v. XXXII, n. 4, jul./ago. 1954, pp. 92-98.

FIGUEIREDO, Sandra. Contabilidade e a Gestão Empresarial: a controladoria. Revista Brasileira de Contabilidade, n. 93, mai./nov 1995.

GOVINDARAJAN, Vijay; ANTHONY, Robert N. Sistemas de Controle Gerencial. São Paulo: Atlas, 2001.

GRUNOW, Aloísio; BEUREN, Ilse Maria. Finalidade da Utilização do Preço de Transferência Nas Maiores Indústrias do Brasil. Disponível em:
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3 de mar. de 2013

Reflexões Sobre Uma Nova Concepção do Trabalho


O trabalho é fundamental para a inserção do indivíduo na sociedade, podendo ser fonte de realização e de inquietação. É pela realização do trabalho que os indivíduos se ligam às organizações, de onde se destaca sua importância para o estudo de administração, como enfatiza Peter Drucker:
[...] A empresa (ou qualquer outra instituição) tem, na verdade, apenas um recurso: o homem. Ela funciona tornando os recursos humanos produtivos. Só há desempenho através do trabalho. Tornar o trabalho produtivo é, portanto, uma função essencial. Mas, ao mesmo tempo, as instituições da sociedade atual vão se tornando cada vez mais os meios pelos quais os indivíduos buscam seu sustento, encontram seu acesso a um status social, à comunidade e à satisfação e realização pessoal. Tornar o trabalhador realizado e empreendedor é, consequentemente, cada vez mais importante, além de ser um parâmetro do desempenho da instituição. E é cada vez mais uma tarefa da administração. (Drucker, 1997, p. 37)
Dentre os grandes desafios da administração, e da sociedade atual, está a adequação do indivíduo e seu trabalho às novas condições do meio econômico e tecnológico ora verificadas, conforme preocupação de Alvin Toffler:
[...] fui ficando gradualmente estarrecido de ver quão pouco se sabe na verdade sobre a capacidade de adaptação, tanto pelos que provocam e criam grandes mudanças em nossa sociedade, quanto pelos que supostamente nos preparam para lidar com essas mudanças.  Os intelectuais mais competentes falam, com muita coragem, de "educar para mudar", ou "preparar para o futuro". Mas não sabemos virtualmente nada sobre como fazê-lo. No meio ambiente em mais rápida mutação a que o homem já se viu exposto, continuamos em lamentável estado de ignorância sobre como o bicho-homem lida com seus problemas. (Toffler, 19998, p. 14)
Em complemento, cabe ainda indagar sobre os fatores motivacionais relacionados ao trabalho, como exposto por Drucker:
Douglas McGregor sistematizou a forma como os homens gerenciam o trabalho nas organizações em duas concepções, às quais chamou de teoria X e Y. Por teoria X ele define a administração do trabalho tradicional, que pressupõe a necessidade de se vigiar as pessoas em suas funções, caso contrário, pelo fato de serem desinteressadas, descomprometidas, desleixadas, elas fatalmente acabarão evitando trabalhar, adotando formas de passar o tempo com o menor esforço. Assim, para trabalhar, as pessoas precisam ser vigiadas e ter estímulos diretos, como por exemplo, prêmios por produção ou pagamento com base em resultados pré-estabelecidos. Historicamente, esta é a forma arraigada de lidar com o trabalho. Já por teoria Y ele define a abordagem contrária, onde se pressupõe que os homens trazem em si uma necessidade de contribuição, de realização pessoal, de sentirem-se úteis para o grupo, para a sociedade, que gostam de ter responsabilidade.  Em suma, a teoria X pressupõe que as pessoas são imaturas e a teoria Y que elas querem ser adultas. (Drucker, 1997, p. 308)
Com a progressiva mudança no contexto do trabalho, a abordagem sugerida pela teoria X encontra-se em decaimento. O capitalismo não mais precisa supostamente expropriar o trabalhador do campo ou o artesão de suas ferramentas e técnicas para poder dispor de uma mão-de-obra operária (se é que tal entendimento realmente faz sentido, como discutido em outro texto - ver aqui).
O avanço tecnológico pressupõe indivíduos mais preparados intelectualmente, com maior qualificação e disposição para aprendizado, de modo que a maior parte do trabalho repetitivo pode ser feito, com vantagens, por máquinas.
Assim, não é de surpreender que entre psicólogos e administradores predomine a abordagem calcada na teoria Y. De fato, autores que tratam de temas como liderança, gerenciamento de equipes, ambiente de trabalho, etc., que têm por base os fundamentos da teoria Y, vêm prosperando continuamente no estudo de administração, mesmo que novas abordagens preservem os mesmos fundamentos de modelos anteriores.
De qualquer maneira, em relação à concepção da teoria X, a abordagem da teoria Y ou pelo menos sua aceitabilidade como pressuposto necessário a um melhor ambiente organizacional, constitui uma evolução nas relações de trabalho. Porém, entre uma e outra abordagem, a forma de lidar com o indivíduo quase sempre continua a mesma, apenas muda-se o enfoque.
Anteriormente o controle físico do indivíduo na linha de produção, através do estudo e cronometragem de movimentos e contagem do número de peças produzidas, era o caminho para assegurar a produtividade do trabalho. Atualmente, em virtude das novas necessidades tecnológicas e gerenciais, a compreensão dos fatores psicológicos torna-se necessária como forma de assegurar, de estimular, a disposição para o trabalho em busca de maior produtividade. Ou seja, pressupõe-se, a partir da teoria Y, uma forma de controle mais completa sobre o indivíduo, não se tratando mais meramente de seu tempo de trabalho para execução de uma atividade pré-estabelecida, mas de criar no pensamento do mesmo os fatores (a motivação) que o levarão a crer em sua necessidade de contribuir para a organização da forma mais produtiva possível.
A maioria – senão todos – dos autores contemporâneos sobre psicologia industrial professa sua fidelidade à Teoria Y. Gostam de usar termos como “autorealização”, “criatividade” e “homem completo”. Mas, na realidade, eles estão é falando e escrevendo sobre controle através de manipulação psicológica. E são levados a isso por seus próprios pressupostos básicos, que são precisamente os da Teoria X: as pessoas são fracas, doentes e incapazes de cuidar de si mesmas. Vivem atormentadas por medos, angústias, neuroses e inibições. No fundo, não querem realizar nada, mas sim fracassar. Querem, portanto, ser controladas – não por medo da fome, nem devido aos incentivos das recompensas materiais, mas sim pelo seu medo de alienação psicológica e pelos incentivos da “segurança psicológica". (Drucker, 1997, p. 319)
Devemos então refutar completamente os pressupostos da abordagem conhecida como teoria Y? Não necessariamente, mas são evidentes, nas organizações, sinais de preconceito e determinismo que têm por base os fundamentos da teoria Y. Isso se reflete mais claramente, por exemplo, em questões como a chamada cultura organizacional, no relacionamento entre os indivíduos na organização e na questão da liderança. Nesse sentido, usamos novamente a abordagem de Peter Drucker, que, além do conhecimento teórico, traz consigo a experiência no campo profissional:
Fala-se muito atualmente que gostar das pessoas, ajudá-las a dar-se bem com elas são qualificações de um “administrador”. Mas apenas isso não basta. Em qualquer organização bem sucedida, existe sempre um chefe que não gosta das pessoas, não ajuda ninguém e não se dá bem com indivíduo algum. Frio, desagradável e exigente, esse chefe normalmente ensina e desenvolve mais pessoas do que qualquer outro. Tipos como este frequentemente impõem mais respeito que qualquer chefe simpático. Exigem um desempenho impecável de si mesmos e dos seus subordinados. Estabelecem padrões elevados de conduta, e esperam que estes sejam cumpridos por todos. Levam em conta somente o que está certo, nunca quem está certo. E embora sejam eles próprios normalmente bastante brilhantes, jamais colocam nos outros o brilhantismo intelectual acima da integridade. O administrador que não possuir essas qualidades de caráter – por mais simpático, prestativo ou cordial, e por mais competente e brilhante que possa ser – é uma ameaça e deve ser considerado como “incapaz de ser um Administrador com A maiúsculo”. (Drucker, 1997, p. 71)
Mais que isso, a passagem seguinte questiona o sentido da própria discussão sobre o papel de um líder:
[...] Mesmo o mais poderoso presidente da maior companhia é desconhecido do público. Na realidade, mesmo a maioria dos empregados da casa mal conhecem seu nome e não o reconheceriam se o vissem pessoalmente. Talvez tenha chegado à posição que ocupa inteiramente por mérito próprio e por ter mostrado uma atuação excelente. Mas ele deve sua autoridade e prestígio totalmente à sua instituição. Todos conhecem a GE, a Companhia Telefônica, a Mitsubishi, a Siemens e a Unilever. Mas quem dirige estas grandes companhias – ou quem dirige a University of California, a École Polytechnique e o Guy’s Hospital de Londres – é do interesse direto apenas do grupo administrativo destas instituições.
Logo, não faz o menor sentido falarmos em administradores como líderes. Eles são “membros do grupo de liderança”. E este grupo ocupa, de fato, uma posição de destaque, proeminência e autoridade. Consequentemente, tem responsabilidade. (Drucker, 1997, p. 399)
Fica entendido que a maneira de compreender a administração das empresas e o papel do trabalho hoje está impregnada de falsos juízos de valor. O ambiente de transformação que atravessamos, onde mesmo o papel de muitas profissões está sendo definitivamente contestado, bem como a atuação das organizações, torna os impactos de uma ou outra concepção menos definidos. Isso permite que já se desenvolva, muitas vezes a partir dos próprios fundamentos da teoria Y, uma nova abordagem à relação entre organizações, indivíduos e trabalho. Começa a ser percebido que não é o convencimento psicológico, a persuasão, ou a liderança, que estarão por trás do almejado incremento da produtividade do trabalho que tem por base a qualificação intelectual (o trabalho do conhecimento), mas sim uma nova postura calcada no desenvolvimento da criatividade, do livre pensar, de uma concepção de pensamento sem as mesmas restrições impostas pelos parâmetros organizacionais.       
Esta é uma filosofia herética hoje em dia, quando tantas companhias acreditam que o melhor empregado é aquele que vive, bebe, come e dorme o emprego e a empresa. Na experiência concreta, aquelas pessoas sem vida própria fora do emprego não são, de fato, pessoas bem sucedidas, nem mesmo sob o ponto de vista da companhia. Já observei um número excessivo deste tipo de pessoas que sobem muito feito um foguete, por não terem outro interesse senão o emprego; por outro lado, elas também caem feito a vara queimada do rojão. O indivíduo que prestará a maior contribuição à empresa é o indivíduo maduro – e não existe amadurecimento se não houver vida própria e interesses fora do trabalho. Algumas de nossas grandes companhias estão começando a compreender isso. O fato de muitas delas incentivarem seus funcionários a terem “interesses fora da firma” ou a desenvolverem algum “hobby” como preparação para a aposentadoria é o primeiro sinal de uma atitude mais inteligente. Mas o seu próprio interesse como empregado, totalmente desvinculado do auto-interesse do empregador, exige que você desenvolva um campo de interesse fora do trabalho. Isto o tornará mais feliz, mais eficaz, aumentará sua resistência contra os reveses e desastres que acontecem a todos; e o transformará num empregado mais eficaz, mais bem sucedido e mais amadurecido. (Drucker, 1997, p. 334)
Estaria, então, o ser humano acostumado ao frenesi cotidiano, aos horários de turnos de trabalho, à ideologia egocentrista e materialista, preparado a encarar o trabalho por outro enfoque e mesmo a considerar o não-trabalho como uma atividade igualmente realizadora e importante em sua formação pessoal, profissional, ao seu papel social? Provavelmente não, nem mesmo as organizações e a sociedade, ainda. Mas, começam a ser viabilizados os meios para que o homem se livre da dependência do fator fixo de produção, da adequação de suas habilidades às necessidades de operacionalidade técnica de um trabalho, e que possa usar a tecnologia, de forma interativa, como elemento para seu desenvolvimento pessoal, na relação com o trabalho e a sociedade. Isso pelo menos enquanto não surgirem máquinas capazes de substituir o cérebro humano.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Fator Humano e Desempenho. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
TOFFLER, Alvin. O Choque do Futuro. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.