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28 de jun. de 2020

O Pronampe da Caixa Econômica Federal é uma Enganação!


Diante da situação de pandemia da Covid19, o governo federal e alguns governos estaduais têm anunciado linhas de créditos para empresas de médio e pequeno porte.
Como quase sempre ocorre com anúncios de linha de crédito oficial para esse seguimento, não passa de ilusão.
No caso, em 18 de maio de 2020, a lei 13.999 instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), dispensando vários requisitos para concessão de crédito e oferecendo garantia federal de até 85% dos valores emprestados às instituições bancárias.
Ou seja, os bancos que operariam a linha de crédito poderiam exigir apenas 15% de garantia da empresa de pequeno e médio porte, para liberar o empréstimo.
Mesmo assim, duvidei que as instituições financeiras tivessem interesse no programa.
Afinal, para que se dar ao trabalho de fazer empréstimos com juros baixos quando podem oferecer suas próprias linhas mais caras, juros de conta garantida ou cheque especial, com venda casada de operações, como sempre realizaram?
De qualquer modo, várias empresas receberam e-mails da Receita Federal informando a existência do programa e o valor da respectiva receita bruta declarada no ano anterior, que serviria de base para o valor máximo do financiamento.
Após mais de um mês desde a publicação da lei, finalmente a Caixa Econômica Federal passou a operar a linha Pronampe, disponibilizando um site para tal:


Incrédulo, peguei os dados de uma empresa que recebeu o e-mail e preenchi o formulário de solicitação de análise.
A empresa não tinha restrição de cadastro ou falta de certidão negativa de impostos. Apenas seu sócio tinha apontamentos restritivos, mas o empréstimo não era para ele, nem mesmo se tratando de impedimento previsto na lei (cujo objetivo é, justamente, diminuir as restrições de acesso a crédito). Não bastasse isso, a empresa tinha bens para oferecer em garantia.
Desse modo, fiz duas simulações. Em uma, considerei o valor pretendido para empréstimo como 30% da receita bruta, com prazo de pagamento máximo (36 meses).
Na outra simulação, considerei apenas um empréstimo de cerca de 4% da receita bruta com pagamento em 24 meses.
Nos dois casos o site respondeu - imediatamente - que a empresa não estava adequada ao programa, sem justificativa alguma:





Ora, o fato da resposta se dar automaticamente, sem qualquer análise do caso, sem contraproposta de valores/ prazos e sem mesmo indicar necessidade de garantia, deixa claro que não passa de um embuste.
A Caixa Econômica Federal, que é uma instituição com muitas exigências em linhas de crédito direcionadas para empresas, certamente não faria esse tipo de análise automática se tivesse interesse no programa.

OBS.: Texto escrito em 25/06/2020, quando outras instituições ainda não "aderiram" ao Pronampe, cuja lei instituidora é de 18/05/2020. Pressa num período de pandemia, pra quê?

22 de fev. de 2020

Da Ilegal Incidência de IPI Sobre Frete


O sistema tributário brasileiro, dada sua complexidade exacerbada, resulta em condições de incerteza e insegurança jurídica para os empreendedores. Além do entrelaçamento de regras e de competência conflitante entre os entes federativos, o próprio sistema cria injustiças ao permitir a manutenção de situações ilegais, normalmente em prol dos interesses arrecadatórios do estado. É o caso da incidência de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre o frete.

 

A respeito do IPI, o art. 153 da Constituição Federal (CF) estabelece que sua instituição é de competência exclusiva da União. Por sua vez, o Código Tributário Nacional (CTN, lei 5.172/1966) define como "industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo" (art. 46, parágrafo único, CTN).
Ocorre que a lei 7.798, que entrou em vigor em julho de 1989 alterando a lei 4.502/1964, ampliou a base de incidência do IPI, passando a incluir o frete - "§ 1º. O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário." (art. 14 da lei 4.502 alterado pela lei 7.798).
Essa alteração promovida pela lei 7.798 institucionalizou duas ilegalidades evidentes:
A primeira ilegalidade diz respeito à bitributação. Conforme art. 155, inciso II, da Constituição Federal, as operações de transporte são de competência dos Estados e do Distrito Federal, dado que o frete é tributado pelo ICMS (não por acaso, "Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação").
Assim, quando a lei 7.798 estabelece que o IPI passa a incidir também sobre o frete, há ocorrência de bitributação (o frete passa a ser taxado tanto pelos Estados quanto pela União).
Além disso, o art. 154, inciso I, da Constituição Federal só permite que a União institua impostos "desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição" - exatamente o contrário do estabelecido pela lei 7.798.
A segunda ilegalidade também diz respeito ao art. 154, inciso I, da Constituição Federal, que determina que a instituição de impostos deve se dar por lei complementar (que deve ser aprovada no Congresso Nacional por maioria absoluta de todos os votos - art. 69, CF). Porém, a lei 7.798 é lei ordinária (aprovada por maioria simples de votos - maioria de votos bastando que esteja presente mais da metade dos congressistas, art. 47, CF).
Portanto, a lei 7.798 sequer é instrumento válido para alteração do IPI, posto que tal só seria possível por meio de aprovação de lei complementar.
Essa questão, da inconstitucionalidade formal da lei 7.798, já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 84 de Repercussão Geral (que deve ser obedecido em todas as instâncias do poder judiciário), que considerou inconstitucional a incidência de IPI em situações de descontos, diferenças e abatimentos. O mesmo fundamento deve ser aplicado no caso da incidência de IPI sobre o frete, o que é reconhecido pelo próprio STF nas decisões destacadas a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE DO PRODUTO. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.798/1989. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. CONTROVÉRSIA ABARCADA PELO TEMA Nº 84 DA REPERCUSSÃO GERAL. RE 567.935. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(STF - AgR RE: 926064 SC - SANTA CATARINA, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 16/02/2016, Primeira Turma)

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. FRETE. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO. LEI ORDINÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO RE 567.935. PRECEDENTES.
1. Hipótese em que aplica-se o entendimento firmado no RE nº 567.935-RG, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, no sentido de que a inclusão do frete da base de cálculo do IPI pelo artigo 15 da Lei nº 7.789/1989, padece do mesmo vício de inconstitucionalidade formal. Precedentes.
2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 4. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.
(STF - AgR RE: 1059280 SC - SANTA CATARINA, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 05/10/2018, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-233 05-11-2018)

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IPI. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da impossibilidade de inclusão dos valores pagos a título de frete na base de cálculo do IPI. Esta Corte entende que o legislador ordinário, ao incluir o frete na base de cálculo do referido imposto, usurpou competência normativa reservada à lei complementar. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1,021, § 4º, do CPC/2015
(STF - AgR ARE: 1152861 SP - SÃO PAULO 0012696-33.2010.4.03.6100, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 05/10/2018, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-236 07-11-2018)

Agravo regimental em embargos de declaração em recurso extraordinário. 2. Direito Tributário. 3. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Frete e demais despesas acessórias. Inclusão na base de cálculo por lei ordinária. Impossibilidade. Art. 146, III, “a”, da Constituição Federal. Aplicação do entendimento firmado no Tema 84 (RE-RG 567.935, Rel. Min. Marco Aurélio). Precedentes. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 513409 ED-AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/02/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 28-02-2019 PUBLIC 01-03-2019)
(STF - ED-AgR RE: 513409 PR - PARANÁ, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 22/02/2019, Segunda Turma)

IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – VALORES DE DESCONTOS INCONDICIONAIS – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO – ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.798/89 – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – LEI COMPLEMENTAR – EXIGIBILIDADE.
Viola o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Carta Federal norma ordinária segundo a qual hão de ser incluídos, na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, os valores relativos a descontos incondicionais concedidos quando das operações de saída de produtos, prevalecendo o disposto na alínea “a” do inciso II do artigo 47 do Código Tributário Nacional.
(RE 567935, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-216 DIVULG 03-11-2014 PUBLIC 04-11-2014)

Tem-se, assim, uma situação em que o estado (via Poder Executivo e Congresso Nacional) desrespeita os critérios estabelecidos na Constituição Federal.
As empresas, então, passam a ser cobradas de forma ilegal.
Questionamento a respeito chega ao Poder Judiciário e o próprio estado (via Supremo Tribunal Federal) reconhece a ilegalidade da incidência do IPI sobre operações de frete.
Não obstante, o que foi estabelecido pela lei 7.789/1989 continua em vigor. Muitas empresas continuam pagando IPI sobre frete, gerando custos que devem ser repassados aos clientes, e continuam sendo fiscalizadas pelo estado para que se submetam a tal ilegalidade. Se não o fizerem, estarão sujeitas a penalidades e todos os custos decorrentes de defesa. A alternativa é acionarem a Justiça para que a Constituição Federal seja respeitada (um absurdo por si só, além dos custos e tempo envolvidos).
Desse modo, uma lei inconstitucional continua tendo aplicabilidade e ocasionando custos para a sociedade, em situação que é conveniente apenas para o estado, caracterizando (mais um) privilégio odioso contra os pagadores de impostos.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 fev. 2020.
BRASIL. Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4502.htm>. Acesso em: 22 fev. 2020.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 22 fev. 2020.
BRASIL. Lei nº 7.798, de 10 de julho de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7798.htm>. Acesso em: 22 fev. 2020.

27 de jan. de 2020

Red Cocaine


Red Cocaine ("Cocaína Vermelha - A Narcotização da América", na edição em português), é um livro controverso, que enseja reflexões sobre a atuação dos agentes políticos em práticas criminosas internacionais, inclusive no que diz respeito à relação entre estados.


Particularmente quanto à atuação de estados enquanto agentes influenciadores do tráfico de drogas internacional, o autor considera o conceito de psicopolítica ("psychopolitics"), como apresentado na teoria comunista, de dominação dos povos pela implantação de práticas subversivas no seio das sociedades.
Como defendido pelo teórico marxista Antonio Gramsci, a ideia seria a infiltração revolucionária nas instituições de uma sociedade, como forma de enfraquecer seus valores morais e crenças, gradativamente impondo um processo de radicalização cultural, que resultaria na transformação política e econômica - por mais doentio que isso possa parecer.
Assim, a disseminação do uso de drogas é combinada com um discurso político de radicalização de minorias, descambando no "politicamente correto", como forma de promover o pensamento revolucionário no âmago das sociedades ocidentais.


Nesse contexto, é tese central do livro que a disseminação de drogas pelo mundo, e particularmente nos Estados Unidos após a II Guerra Mundial, é algo planejado, inclusive no que diz respeito ao direcionamento do uso de drogas para a juventude - meio de influenciar o comportamento das novas gerações para, eventualmente, enfraquecer o paradigma capitalista representado pelos Estados Unidos.
Aponta o autor que o tráfico de drogas internacional, em grande parte, estava sobre influência e planejamento do regime soviético, contando com laços operacionais com Cuba e China, além da participação de outros países da cortina de ferro.
Estima-se que, em 1967, de 31% a 37% do tráfico internacional de drogas estaria sob controle do bloco soviético. Mesmo com o fim do regime soviético, cabe observar que Rússia e China ainda não são democracias, bem como agências de grande influência, como a KGB, continuam ativas sob novas denominações (no caso, FSB).
Diante de evidências, informações e interpretação a respeito, o autor se pergunta como a ofensiva soviética no tráfico internacional de drogas não foi publicamente denunciada e diretamente combatida pelos governos americanos.
Para o autor, os agentes com autoridade a respeito no governo do Estados Unidos optaram por não agir de forma efetiva, em parte por motivo de corrupção e interesse de grupos políticos e econômicos de influência na própria sociedade americana (como se observa não apenas em políticas governamentais, mas na mídia, universidades, livros etc.) - situação que se manteria até o dias atuais.
Isso implica em algumas reflexões sobre o nível de entrosamento nas escalas mais altas dos governos, como agentes que agem primeiramente em prol do interesse próprio, em detrimento do bem estar das sociedades que representam.
Desse modo, o autor conclui que a disseminação do uso de drogas nas sociedades ocidentais, ao longo do tempo, não reflete a decadência e superação dessas sociedades, mas algo sistematicamente imposto, plantado - enfim, uma agenda política subversiva para desestabilizar o modelo social calcado na liberdade política e econômica, em contraponto à tirania que caracteriza a ideologia socialista.
O autor não tem esperança no eventual sucesso de políticas de combate ao tráfico de drogas, o que se observa ao longo do tempo.

BIBLIOGRAFIA:
DOUGLASS, Joseph D. Red Cocaine: the drugging of America and the West. 2nd. ed. Edward Harle Limited, 1999.