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16 de jul. de 2012

O Culpado é o Ex-Sócio


Em um congresso de direito comercial, um dos painelistas ressaltou que estava cansado de ver decisões onde ex-sócios eram responsabilizados por dívidas trabalhistas após a saída da sociedade, diante de uma interpretação equivocada dos artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil.
Realmente, eu já tinha me impressionado com o mesmo fato!
O assunto até hoje me intriga. Seria mesmo incapacidade de interpretação? Se fosse o caso, isso seria justificado por uma péssima formação e qualificação de juízes, sem respaldo no conhecimento da realidade ou mesmo de um mínimo bom senso.
Mas eu tenho dificuldade de acreditar nisso. Basta verificar a literalidade do texto legal, que me parece extremamente clara.
Primeiro, o art. 1.003 do Código Civil destaca a importância do registro de modificação do quadro societário no contrato social, com o consentimento dos sócios. Até aí, tudo bem:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

No parágrafo único do mesmo artigo, destaca-se a responsabilidade do ex-sócio, pelo prazo de até dois anos após a averbação da alteração contratual na Junta Comercial. E o texto deixa claro que essa responsabilidade refere-se às obrigações que ele tinha enquanto era sócio, e não depois disso:

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Não parece claro e óbvio? A pessoa era sócia em uma sociedade empresária. Para sair, procede o respectivo registro da alteração social na Junta Comercial, de modo a dar publicidade e oficialidade ao ato. A partir daí, em caso de alguma responsabilização que lhe caiba da época que era sócia, há o prazo prescricional de dois anos para que ela seja acionada. É difícil entender isso? Não me parece.
Pois bem, para ficar ainda mais claro, vejamos o que diz o artigo 1.032 do Código Civil:

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

Basicamente repete-se o firmado no artigo 1.003. A responsabilidade pelas obrigações do ex-sócio refere-se ao período em que ele era sócio (óbvio!). E para que se caracterize sua condição de ex-sócio, de quem não mais faz parte da sociedade, é necessária a correta averbação da alteração contratual, o que é feito mediante registro na Junta Comercial. Se essa averbação não for efetuada, para todos os efeitos ele continua respondendo como sócio. Afinal, é a averbação que oficializa sua saída. Nada mais lógico - afinal, não fosse assim, como terceiros iriam saber que ele realmente deixou a sociedade?
O texto legal é claro, lógico, cristalino. Não vejo nenhuma obscuridade, nenhum problema de redação, absolutamente nada que possa levar a equívoco em sua interpretação.
Como, então, se justifica a leitura que muitos juízes, particularmente trabalhistas, fazem desses artigos para justificar que os ex-sócios são responsáveis pelo que acontecer até dois anos depois de sua saída da sociedade?
Isso mesmo! Imagine que você era sócio de uma empresa. Resolveu se retirar, procedeu corretamente o registro na Junta Comercial e foi cuidar de sua vida.
Um belo dia, se vê responsável em algum processo judicial referente a problema que aconteceu quando você não mais integrava a sociedade. Quando sócio, você nem participava da gestão. Agora é responsabilizado por algum acontecimento em que não teria poder decisório, não poderia influir, não poderia opinar, não poderia decidir, nem mesmo poderia assinar pela sociedade - afinal, você nem é mais sócio! Como, então, você poderia ser responsável?
Pelo visto, o fato de ter sido sócio, por si só, é presunção que você é culpado!
Essa é a realidade no Brasil. É por isso, entre muitos outros fatores, que não recomendo a ninguém ser sócio de empresa ou mesmo empresário. Não temos um ambiente favorável ao empreendedorismo.
E, para confirmar o dito acima, seguem alguns exemplos de jurisprudência:

Processo: AGVPET 60200801207000 CE 00060/2008-012-07-00-0
Julgamento: 23/03/2009
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: 03/04/2009 DOJTe 7ª Região
Ementa
AGRAVO DE PETIÇÃO - EMBARGOS DE TERCEIROS SÓCIO RETIRANTE - DÉBITOS TRABALHISTAS ASSUMIDOS APÓS RETIRADA - RESPONSABILIDADE - ILEGITIMIDADE.
O sócio que se retirou da sociedade depois da contratação do empregado, é responsável pelos débitos trabalhistas assumidos pela empresa após sua saída, uma vez que enquanto sócio participante usufruiu dos serviços prestados pelo exeqüente (arts. 1003 e 1032 do CC), carecendo, portanto, de legitimidade para ajuizar ação de embargos de terceiro, ação incidental prevista apenas para as hipóteses descritas no art. 1046 do CPC.

Veja, nesse exemplo, que citam os artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil para justificar uma interpretação que não está prevista no texto legal: responsabilizam o sócio por dívidas referentes a período após a sua saída, e não da época em que era sócio.

Processo: AP 768200202204009 RS 00768-2002-022-04-00-9
Julgamento: 02/07/2009
Órgão Julgador: 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre
Ementa
AGRAVO DE PETIÇAO DA EXECUTADA RESPONSABILIDADE DA SÓCIA RETIRANTE DA EMPRESA EXECUTADA.
Na execução trabalhista, é possível a penhora dos bens particulares de ex-sócia que se retirou da sociedade há mais de dois anos, mas que integrava o quadro societário durante o contrato de trabalho. Agravo não provido

Exemplo claro de decisão sem qualquer respaldo legal.

Processo: AGVPET 2115200806102003 SP 02115-2008-061-02-00-3
Julgamento: 15/04/2009
Órgão Julgador: 2ª TURMA
Publicação: 05/05/2009
Ementa
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇAO CONTRA EX-ACIONISTA. ART. 1032,DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE.
Inaplicável o disposto no artigo 1003, parágrafo único, do CC, que prevê a responsabilidade solidária do sócio retirante até dois anos depois de averbada a modificação contratual, tendo em vista as peculiaridades da Justiça do Trabalho, que resguarda créditos de natureza alimentícia, objetivando harmonia social entre as partes, mormente quando se trata de acionista que exercia o cargo de diretor.

As "peculiaridades da Justiça do Trabalho" servem de justificativa para uma decisão contrária ao texto legal? Essas "peculiaridades" não deveriam estar expressas na lei, sendo, então, seguidas, obedecidas, pelo juiz? Pela decisão acima, nem mesmo o prazo prescricional de dois anos é respeitado.

Processo: AC 21060037716 ES 021060037716
Julgamento: 13/01/2009
Órgão Julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Publicação: 27/01/2009
Ementa
DIREITO SOCIETÁRIO . APELAÇAO CÍVEL. SOCIEDADE LIMITADA . AÇAO ORDINÁRIA DE COBRANÇA . RESPONSABILIDADE DA EXSÓCIA . SENTENÇA PROCEDENTE. APLICAÇAO DO ARTIGO 1003 DO CÓDIGO CIVIL . MANUTENÇAO DA SENTENÇA . PRECEDENTES DO STJ . RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1) O sócio que se retira da sociedade continua responsável pelos encargos financeiros contraídos durante o período em que dela participou como quotista, pelo prazo de dois anos.
2) Na verdade, cessa a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade somente após dois anos a contar da data do arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis, da alteração contratual que resultou em sua saída, a teor doparágrafo único, do Art. 1.003, do Código Civil.
3) É importante ressaltar que a apelante se retirou do quadro societário da empresa devedora desde novembro de 2004, e para tal colaciona alteração contratual com a cessão de quotas. Entretanto, a dívida contraída, objeto da presente lide, fora contraída em 2005, estando portanto dentro do prazo de responsabilidade dos ex-sócio disposto do artigo 1003 do Código Civil.
4) O sócio que se retira da sociedade continua responsável pelos débitos que antecederam a alienação.

Esse é um caso fantástico e mostra que o problema de interpretação não está restrito apenas à Justiça do Trabalho. É incrível observar que o sócio se retirou da empresa em 2004 e se torna responsável por uma dívida contraída em 2005! Como assim? Ele é responsável por uma dívida que não assumiu? Nem mesmo poderia pedir um empréstimo, financiamento ou o diabo que fosse em 2005, pois não era mais sócio da empresa. No entanto, para o eminente julgador, ele é responsável por tudo que acontece dois anos depois de sua saída. E ainda indica que isso estaria escrito no artigo 1.003 do Código Civil...

Processo: AP 468200904602007 SP 00468-2009-046-02-00-7
Julgamento: 29/09/2009
Órgão Julgador: 11ª TURMA
Publicação: 20/10/2009
Ementa
Responsabilidade de ex-sócio. Artigos 1.003, parágrafo único,e 1.032 do Código Civil de 2002. O prazo de dois anos previsto nos arts. 1.003 e 1.032 do Código Civil não é para o empregado propor a ação. Essa matéria é tratada na própria Constituição Federal (art. 7º, inciso XXIX). O limite de tempo diz respeito ao alcance da desconsideração da personalidade jurídica. Tudo porque os últimos sócios respondem pelo passivo da sociedade; já os ex-sócios podem ser responsabilizados por dívidas da sociedade que tenham sido constituídas até dois anos da averbação da retirada. Justamente a hipótese dos autos. Agravo de petição a que se nega provimento.

Outra decisão, em outro órgão, noutro tempo. E a mesma conclusão equivocada, de responsabilizar alguém por dívida de terceiro, a qual ele sequer teria responsabilidade em constituir. E ainda citando os tais artigos 1.003 e 1.032. Como isso é possível? Eu não consigo entender. Alguém me explique!

Processo: AP 854200806002004 SP 00854-2008-060-02-00-4
Julgamento: 11/09/2008
Órgão Julgador: 12ª TURMA
Publicação: 26/09/2008
Ementa
RESPONSABILIZAÇAO DOS HERDEIROS PELAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS ASSUMIDAS PELO EX-SÓCIO. BENEFÍCIO DE LIMITAÇAO. ARTIGO 1.032 DO CÓDIGO CIVIL.
O dispositivo constante do parágrafo único do art. 1.003, bem como do art. 1.032, ambos do Código Civil, afigura-se inaplicável ao processo do trabalho, uma vez que o risco da atividade incumbe ao empregador e não pode ser transferido ao empregado, mesmo porque referido artigo limita a responsabilidade do ex-sócio para com a sociedade, o que de forma alguma pode atingir os créditos trabalhistas, ante a sua natureza alimentar. E mesmo que se considerasse aplicável o dispositivo supra, não seria cabível in casu porque a ação reclamatória foi ajuizada menos de um ano após o efetivo averbamento da alteração contratual da retirada do falecido ex-sócio, não havendo,pois, que se falar no benefício da limitação de responsabilidade, previsto no art. 1.032 do Código Civil.

Aqui os artigos 1.003 e 1.032 foram desconsiderados, por serem inaplicáveis ao processo do trabalho, como se não existisse prescrição. Mas, como se isso não bastasse, ainda se afirma que o ex-sócio é responsável por processo ajuizado após sua saída (ao invés de se destacar sua responsabilidade apenas sobre o período em que era sócio, em respeito ao texto legal).

Processo: AP 292200802102006 SP 00292-2008-021-02-00-6
Julgamento: 28/05/2009
Órgão Julgador: 12ª TURMA
Publicação:
05/06/2009
Ementa
EXECUÇAO. PARTE LEGÍTIMA. EX-SÓCIO. RESPONSABILIDADE.
É o ex sócio parte legítima para figurar no polo passivo da ação/ execução e responde pelos débitos da empresa, principalmente trabalhistas relativos às ações interpostas até dois anos contados do seu desligamento (art. 1032 do Código Civil).

Aqui deixam claro que a responsabilidade do ex-sócio é cabível após sua saída, no período de dois anos, não destacando que essa responsabilidade deve se referir apenas ao período em que era sócio. Pelo menos reconheceu-se o período prescricional estabelecido no Código Civil.

Enfim, durma-se com um barulho desses. Quer ser sócio de uma empresa? Então fique ciente que você pode ser responsabilizado mesmo depois que deixar a sociedade e mesmo sem previsão legal que lhe atribua essa obrigação.
Infelizmente, essa é a realidade no Brasil. A falta de respeito ao texto legal, a insegurança jurídica, e um aparente sentimento de ódio contra quem é (ou foi) sócio ou empresário, em nada estimulam a atividade empreendedora. Trata-se de um dos aspectos do chamado "Custo Brasil".

1 de jul. de 2012

O Direito Não Precisa de Marx. Ainda bem.


No primeiro ano de faculdade de direito cursei uma disciplina chamada "Sociologia do Direito", que era ministrada por uma professora entusiasta do marxismo.
Essa professora não apenas sonhava com um suposto sistema socialista ou comunista. Ela idolatrava Karl Marx. A ponto de dizer, em uma das aulas, que ele havia sido um "ótimo marido".
Como é que é?
Fiquei pensando... Seria ela apaixonada por Karl Marx? Imaginei se, na casa dela, haveria uma foto de Marx no criado-mudo ao lado da cama. Quem sabe na parede, um grande retrato daquele homem sisudo e barbudo, como que vigiando o ambiente e lhe dando conforto. Será que ela, até mesmo, dormiria abraçada aos volumes de "O Capital"?
É surpreendente os efeitos que o marxismo, verdadeira religião, causa em certas pessoas - particularmente nas que não superam aquela fase final da adolescência, quando estamos mais propensos a esses sonhos de igualdade, como se o mundo fosse tão simples e facilmente classificável pelo maniqueísmo marxista (onde os capitalistas são os bandidos e os trabalhadores os mocinhos).
Mais que isso, qual a relevância de alguém ser bom ou mau marido, ser solteiro, homossexual, divorciado, ou qualquer outra classificação social, para validar ou não a relevância de seu pensamento, de suas teorias?
Pior ainda no caso de Marx, já que os registros históricos indicam que ele não era tão "bom marido" assim, pois teve um filho com sua empregada. Como a professora, que se julgava entendedora do marxismo, admiradora desse homem, não teve conhecimento desse fato? Ou será que teve e ignorou, em nome de sua paixão?
Para ficar um pouco pior ainda, nessa classe, havia um senhor, funcionário público na Receita Federal (devia estar perto da aposentadoria), que também era entusiasta cego do marxismo. A ponto de ficar furioso e falar alto contra qualquer questionamento que colocasse em dúvida os ensinamentos de Marx e Engels. Reverenciava todo aquele que atuasse "em nome do socialismo", mesmo que diante do mais escrachado populismo: por exemplo, tratava com grande respeito o "Presidente Chávez"!
E eu naquele meio, pensando: o que estou fazendo aqui? Por que não pedi dispensa dessa matéria de "economia"?
Naturalmente, faltei o máximo de aulas que pude dessa disciplina.
Nas provas, questionei as questões com tendência marxista, colocando as coisa em seu devido lugar. Não tirei nota máxima, mas a professora foi esperta o suficiente para não me dar nota baixa. Afinal, em um eventual recurso, poderia ter suas concepções e preconceitos desmascarados.
E assim seguiu o curso de direito.
Porém, chegando ao quarto ano do curso de direito, já em outra faculdade (por motivo de mudança e transferência), eis que me vejo em situação parecida. Desta feita, na disciplina  "Direito Econômico".
Além de ter que aguentar, mais uma vez, toda aquela ladainha de viés marxista, sem fundamento, com graves falhas de lógica e falta de bom senso, também tive que ouvir conceitos econômicos explicados de forma errada. A ponto de, em determinada aula, a professora falar em "vantagem comparativa negativa". Fiquei com pena de retrucar...
Para piorar, certa vez, ela escreveu no quadro um trabalho opcional para a aula seguinte:

DISSERTAR SOBRE O TEXTO ABAIXO:
Princípios Econômicos e a Base do Sistema Econômico do art. 170 da Constituição Federal
Karl Marx e Engels foram os principais sistematizadores da teoria que hoje é defendida notadamente por grande parte da doutrina.
"Economia está para o direito assim como o grão está para a casca, em uma relação de conteúdo e forma". Declaram que o "direito sem a economia é vazio e a economia, sem o direito, é sem forma".

Essa afirmação deixa a entender que Marx e Engels consideravam o direito como fator de grande importância para a economia, além disso, a frase indicada é de outro autor.
Como eu estava numa fase muito zen, fiquei quieto, não criei polêmica em sala de aula. Também queria evitar passar a impressão de "sabe-tudo", do aluno que sabe mais que a professora.
Fui o único na classe a fazer esse trabalho.
Minha resposta segue abaixo. Espero que ajude a colocar um pouco de luz nessa tentativa obscura de ligar o marxismo ao direito, que muitos, tendenciosamente, tentam fazer:
As frases acima não são de Marx ou Engels, mas de um autor alemão pouco conhecido, chamado Fritz Berolzheimer, estudioso de filosofia e direito.
Mais que isso, como exposto a seguir, entendo como inadequada a atribuição dessa relação entre direito e economia ao pensamento marxista.
Marx e Engels questionam a existência de governos e de leis. Para esses autores, o direito seria, nada mais, nada menos, que um elemento do conceito de "superestrutura", ou seja, apenas mais um dos fatores que uma classe social utiliza para dominar outra classe. Nesse sentido, esclarece o Dicionário do Pensamento Marxista:
Depois de ter elaborado a sua concepção materialista da história, e mesmo já a   partir de 1845, Marx desenvolveu a tese de que o direito era essencialmente epifenomenal, parte da superestrutura, um reflexo das concepções, das necessidades e dos interesses de uma classe dominante, produzida pelo desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção que constituem a base econômica do desenvolvimento social. (p. 109b)
Em suma, para Marx, o direito apenas transmite e protege os interesses daqueles que detêm o poder e a riqueza na sociedade - e não traria, em si, nada de justo, posto que a justiça seria apenas uma ideologia historicamente condicionada pelas classes dominantes.
Embora Marx (convenientemente) não tenha detalhado efetivamente como seriam os modos de produção socialista e comunista, que vislumbrava como sucessores do capitalismo, ele não via a necessidade futura da existência do direito, que, para ele, só se justificava como elemento de dominação, de contenção dos conflitos no bojo da sociedade. Com o comunismo, acreditava, não existiria mais conflito social, logo o direito não seria necessário (ideia corretamente classificada como utópica por Hans Kelsen).
Há evidente incoerência em atribuir ao sistema capitalista a culpa pela injustiça social. Afinal, é facilmente verificável que, em qualquer momento da história humana, em qualquer modo de produção, podemos verificar a existência de oprimidos e opressores, de ricos e pobres - trata-se, portanto, de um problema do capitalismo ou de um problema da humanidade? E não é esse conflito inerente às sociedades humanas que justifica a existência do direito? Então, como associar o direito a pensadores que ingenuamente o refutam, que o consideram algo a ser dispensado numa sociedade utópica, ideal?
Pior que isso, Marx previa a necessidade de acabar com todo o direito e substituí-lo por uma ditadura (a "ditadura do proletariado"). As consequências dessa concepção são historicamente verificáveis nos casos da União Soviética, Cuba, China, Coréia do Norte...
Sendo assim, diante do exposto, não há como se concordar com uma contribuição marxista à ciência do direito, muito menos por via da economia. No próprio âmbito da ciência econômica é cada vez menor a influência do pensamento marxista (talvez influente hoje apenas na sociologia e em certos rincões de universidades públicas). Também não verifico relevância do pensamento marxista no movimento que procura realizar uma análise econômica do direito, conhecido como Law & Economics. Definitivamente, o direito não precisa de Marx e Engels. Ainda bem.
...
REFERÊNCIAS CONSULTADAS:
DIREITO. In: Dicionário do Pensamento Marxista. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
MONTEIRO, David de Oliveira. Direitos humanos e democracia brasileira: uma crítica. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21166/direitos-humanos-e-democracia-brasileira-uma-critica/1>. Acesso em: 04 mar. 2012.
ZIMMERMANN, Augusto. Marxism, law and evolution: Marxist law in both theory and practice. Disponível em: <http://creation.com/marxism-law-and-evolution>. Acesso em: 04 mar. 2012.