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3 de dez. de 2013

Empresários e Executivos, no Brasil, Não Podem Ter Bens!

O Código Tributário Nacional (lei n° 5.172/1966) indica a responsabilidade de sócios-diretores e executivos pelos impostos em atraso das empresas, desde que tenham atuado de forma irregular:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
(...)
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
O problema é que a Fazenda Pública, diante de situação de inadimplemento de pessoa jurídica, muitas vezes indica o nome de sócios, de executivos, de ex-sócios, de ex-diretores etc., quando da constituição de Certidão de Dívida Ativa.
E isso ocorre a despeito do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que destaca em sua Súmula nº 430: "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente."
Todavia, o Fisco inicia processo de execução fiscal contra pessoas físicas, independentemente de ter ocorrido excesso de poderes ou infração legal.
E, pior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não repudia tal procedimento, diante da presunção de veracidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA), conforme art. 204 do CTN:
Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.
Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.
Portanto, quem foi indicado na CDA, juntamente com a pessoa jurídica devedora, que se defenda para provar que seu nome lá consta indevidamente.
O problema é que, para fazer tal prova, o suposto devedor deve propor embargos à execução. Para tal, precisa apresentar garantias para pagamento do débito - se ainda não teve seus bens penhorados em juízo.
Mais que isso: mesmo com a apresentação de embargos à execução, o processo executório continua. O devedor precisa demonstrar a relevância de seus argumentos e que a continuidade da execução lhe causaria dano de difícil ou incerta reparação, para que o processo executório seja suspenso até o julgamento dos embargos.
Ou seja, não importa se o Fisco agiu de forma legal ou não, quem é indicado como devedor sofrerá as consequências de uma forma ou de outra. E, se não tiver bens que possam garantir a execução, ficará com seu nome registrado em dívida tributária sabe-se lá até quando.
Além disso, mesmo que garanta a execução, como fará para provar que não praticou atos "com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos"? Como fazer prova negativa? Terá que apresentar todos os registros contábeis do período relativo ao débito, todos os contratos que assinou, enfim, relatar todas as decisões nas quais esteve envolvido, para mostrar que não atuou de forma irregular? Tal procedimento é viável? Correrá o risco de perder seus bens, mesmo se for indevidamente indicado na Certidão de Dívida Ativa, mesmo não tendo cometido qualquer irregularidade, sem mesmo ter culpa pela dívida da empresa.
Isso mostra que o Fisco e o STJ pressupõem que empresários e executivos agem de má-fé e, uma vez acusados, devem provar sua inocência - não cabendo a quem acusa (o Fisco) provar o que afirma.
Existe alternativa?
Por enquanto, a luz no fim do túnel parece ser questionar, quando for o caso, a ausência de um processo administrativo que fundamente a inclusão de responsáveis na Certidão de Dívida Ativa (CDA). Isso diante do fato de, muitas vezes (para não dizer normalmente), o Fisco simplesmente inclui o nome de terceiros na CDA, sem se preocupar com os requisitos legais. É a estratégia do "se colar, colou", em detrimento da obrigação legal que deve reger os atos das entidades públicas.
Nesse sentido, destaca-se a falta da administração pública em observar, entre outros, o regramento do Código Tributário Nacional:
Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
(...)
III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
(...)
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
E, também, da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Assim, a falta de fundamento para justificar a inclusão inicial de terceiros na Certidão de Dívida Ativa (o que deve ser verificado em processo administrativo), bem como a falta de notificação a todas as partes, ensejaria o questionamento sobre a validade de constituição da Certidão de Dívida Ativa, o que pode ser atacado com exceção de pré-executividade (sem necessidade de garantir a execução com bens).
Resta esperar que esse entendimento tenha futuro no judiciário, principalmente se o STJ não mudar seu posicionamento de assumir válida a culpa presumida de empresários e executivos.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS:
BARCELOS, Soraya M. A Responsabilidade Tributária Dos Sócios da Pessoa Jurídica em Execuções Fiscais. Revista Jus Navigandi, ano 15, n. 2674, out. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17694>. Acesso em: 16 nov. 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:  16 nov. 2013.
BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 16 nov. 2013
BREYNER, Frederico M. Responsabilidade Tributária Dos Sócios-Gerentes: Alegação de Ilegitimidade Passiva em Exceção de Pré-executividade e a Aplicabilidade da Jurisprudência do STJ em Sede de Recursos Repetitivos (REsp nos 1.104.900/ES e 1.110.925/SP). Revista Dialética de Direito Tributário, v. 167, p. 55, 2009.
FERNANDES, Bernardo T. L. A Citação do Sócio na Execução Fiscal. Revista Jus Navigandi, ano 18, n. 3689, ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25113>. Acesso em: 16 nov. 2013.