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8 de set. de 2015

Alíquota de ICMS sobre energia deveria ser de 12%

O Recurso Extraordinário 714.139-SC, sem data de julgamento no Supremo Tribunal Federal (quando escrito este texto), discute a adequação de alíquota do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) incidente sobre energia elétrica frente aos princípios da seletividade e essencialidade.
No entanto, a discussão, que se originou em Santa Catarina, pretende reduzir o ICMS incidente sobre energia elétrica para o nível da alíquota geral (de 25% para 17%).
Considerando o Regulamento de ICMS do Estado do Espírito Santo, analiso abaixo que poderia ser defendida uma alíquota inferior à geral, com base nos princípios da seletividade e isonomia - análise que pode ser pertinente junto aos regramentos de outros estados.

I. Sobre seletividade e essencialidade na definição de alíquota de ICMS
A Constituição Federal, em seu art. 155, §2º, inciso III, estabelece que o ICMS "poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços" - ao contrário do IPI (art. 153, §3º, inciso I), que deverá ser seletivo.
Do dispositivo constitucional se infere que, ao instituir o ICMS, os Estados e Distrito Federal devem optar em estabelecer uma alíquota única, ou, caso contrário, definir alíquotas diversas com base no princípio da essencialidade dos bens e serviços a serem tributados.
Ou seja, o "poderá ser seletivo" não significa que o Estado ou Distrito Federal possa abrir mão desse critério, à sua total conveniência. Significa, isso sim, que, uma vez que se opte pela seletividade, esta deverá levar em conta a essencialidade das mercadorias e serviços (trata-se de um poder-dever).
Caso contrário, e isso não faria sentido, tornar-se-ia expressão inútil o comando constitucional do art. 155, §2º, inciso III, que determina que a seletividade deve se dar "em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços".
No caso do Estado do Espírito Santo, o Decreto nº 1.090-R (Regulamento do ICMS-ES) estabelece, em seu Capítulo VIII (arts. 71 e 72), diferentes alíquotas para o tributo, do que se infere a opção pelo princípio da essencialidade, em acordo com o preceito constitucional.
Isso posto, passemos a analisar o critério de seletividade adotado no referido regramento:
A análise dos artigos 71 e 72 do Decreto nº 1.090-R evidencia que a distinção das alíquotas de ICMS incidentes sobre produtos e serviços foi estipulada com algum critério discricionário, desconhecido, sem nenhuma relação com o princípio da essencialidade.
Desnecessário destacar que energia elétrica é essencial para a vida moderna, para assegurar a dignidade humana. Mostra-se pouco provável o convívio em sociedade sem a disponibilidade de iluminação, utilização de equipamentos e serviços necessários ao trabalho, à fabricação de produtos, à segurança, ao consumo etc., independentemente da quantidade consumida. Não sem razão, a lei 7.783/1989, em seu art. 10, inciso I, destaca os serviços de distribuição de energia elétrica como essenciais.
Assim, fica evidente a afronta ao mandamento constitucional quando observarmos que itens cuja essencialidade nos tempos modernos é indiscutível, como energia e comunicação, são taxados com alíquota de 25% no Regulamento do ICMS-ES (RICMS-ES), enquanto itens notadamente pouco essenciais, até supérfluos, como pedra de mármore, bebidas alcoólicas, fumo, jóias, entre outros, têm alíquota igual ou menor.
A tabela seguinte é exemplificativa e elucidativa de tais distorções:

II. Qual deveria ser a alíquota de ICMS sobre energia elétrica
As operações com energia elétrica no Estado do Espírito Santo são taxadas à alíquota de 25% de ICMS (art. art. 71, III, Decreto nº 1.090-R). Não obstante, é prevista alíquota de 12% de ICMS no consumo de energia exclusivamente direcionado para produção agrícola (art. 71, II, c) e para consumidores que gastem até 50kWh por mês (art. 71, II, d).
Tal distinção está longe de caracterizar observância ao princípio da essencialidade. Antes o contrário, configura um subsídio ao setor agrícola (cuja aplicabilidade é discutível, ao relacionar consumo de energia com produtividade) e, à primeira vista, parece observar a capacidade contributiva do consumidor de menor renda.
No entanto, não se mostra coerente tal diferenciação.
De um lado, o estado incentiva o gasto de energia no setor agrícola, aparentemente relacionando o consumo energético com o aumento da produtividade. Se isso é verdadeiro, por que não utilizar o mesmo critério para outros setores? Não seria um estímulo à economia e, por extensão, à arrecadação de ICMS?
De outro lado, o estado inibe o consumidor de fazer uso de um bem essencial para a vida moderna, para sua inclusão social, ao estabelecer um patamar diminuto  de consumo de energia elétrica com alíquota de ICMS reduzida para o consumidor de baixa renda, de apenas 50kWh por mês.
A esse respeito, comparando informações fornecidas pela Aneel (ver AQUIe pelo IDEC (ver AQUI), observamos que uma geladeira comum (modelo novo, eficiente), mais uma televisão pequena (14") e um ferro de passar roupa gastariam aproximadamente o equivalente a 41,4kWh. O consumidor teria que tomar cuidado quanto ao uso de lâmpadas, além de não utilizar nenhum outro eletrodoméstico, para se manter dentro do limite de 50kWh. E como ficaria, nessa situação, o consumidor de baixa renda com filhos? Não estaria em situação ainda pior que aquele que vive sozinho? De certo que esse critério não atende o princípio da isonomia e muito menos o da capacidade contributiva.
Tais situações apenas evidenciam a anomalia que constitui a diferenciação de alíquotas de ICMS no Estado do Espírito Santo. Além de duvidosa - pois o valor de R$/kWh (reais por quilowatt-hora) varia conforme faixa de consumo, de acordo com regulação da Aneel - tal distinção em nenhum momento leva em conta o preceito constitucional da essencialidade.
Desse modo, diante do desrespeito à Constituição Federal, e levando em conta que o Estado do Espírito Santo optou pela adoção da seletividade sem observar a essencialidade na definição das alíquotas aplicáveis ao ICMS, cabe ao Poder Judiciário corrigir tal distorção.
Assim procedendo o Judiciário não estará legislando positivamente, não estará violando o princípio da legalidade tributária, mas, isto sim, corrigindo uma distorção, ao indicar a alíquota aplicável prevista no próprio Regulamento do ICMS..
E nada mais justo que atribuir ao consumo de energia elétrica a alíquota de 12%, já prevista para o setor agrícola (art. 71, II, d). Manter alíquota distinta para outros contribuintes não dirime a ofensa ao texto constitucional, já que estabelece distinção não relacionada à essencialidade do bem energia elétrica.
Note-se que o estado não está diretamente beneficiando o fornecimento de alimentos (esses continuam sendo taxados com alíquota de 17% e 12%, conforme operação interna ou interestadual), mas o consumo "na produção agrícola, inclusive de irrigação" (art. 71, II, d, RICMS-ES) - por que não vestuário, por que não outros setores de bens essenciais?
A concessão de tal privilégio para apenas uma atividade, aparentemente com base no pressuposto que maior gasto com energia implica em maior produtividade, constitui-se em ofensa ao princípio da isonomia, em concessão de privilégio odioso, em afronta direta ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, art. 19, inciso III e art. 150, inciso II, da Constituição Federal).
O princípio da seletividade não deve permitir distinção individual entre contribuintes, pois sua incidência é específica a produtos e serviços. Tal é o comando do art. 153, §3º, inciso I, e do art. 155, §2º, inciso III, do texto constitucional.
Portanto, a adoção da alíquota comum do Regramento do ICMS-ES nas operações internas (17%), embora bem-vinda aos contribuintes, não corresponderia à efetivação da justiça, posto que ainda manteria uma distorção não justificável ao princípio da essencialidade.