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9 de jun. de 2012

Intolerância Religiosa no Trabalho


Certa vez, li o anúncio de uma empresa que ofertava vaga para gerente financeiro. Eram relatados os requisitos do cargo, as atividades principais e, ao final, era mencionado que se tratava de uma "empresa evangélica" e o candidato deveria ter a mesma crença (não, não era uma igreja, era uma empresa mesmo).
Fiquei boquiaberto. Que tipo de empresa seria essa? Como seria o ambiente de trabalho? Decerto, pensei, deveria ser bem rígido, restrito, alheio à diversidade, contrário às diferenças. Os empregados haveriam de ter uma crença religiosa cega e limitadora, caso contrário estariam sujeitos à demissão.
Certamente, indo em contrário a tudo que se apregoa em administração, essa empresa não deveria ser um ambiente propício para inovação. Não sendo um ambiente que propicie inovação, haveria de ser uma empresa estática, sujeita a dificuldades para se adaptar às mudanças no mercado. No limite, não se pode pensar em grande futuro para uma empresa assim. Teria que ser uma igreja, não uma empresa.
Mais que isso, colocar um anúncio de emprego exigindo crença religiosa é discriminação. A empresa fica sujeita à indenização judicial, tanto perante os potenciais candidatos desclassificados, quanto aos futuros funcionários insatisfeitos. Também é justo motivo para atuação do Ministério Público, como já se verificou em alguns casos. Enfim, o referido anúncio de emprego constitui prova de prática ilegal.
Nesse sentido, vejamos o artigo 5° da Constituição Federal, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo de importância capital e estabelecido como "cláusula pétrea" (não pode ser alterado). Verificamos em alguns de seus incisos:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;


Portanto, à luz da administração e do direito, acho que tive justo motivo para ficar boquiaberto diante de tal anúncio de emprego.
Assim, comecei a refletir a respeito... Não sou uma pessoa religiosa, mas sempre me impressionei com o poder da religião. Durante um certo período, procurei compreender mais a respeito. Para tal, li artigos e livros sobre religiões. Verifiquei que existe uma miríade de explicações sobre o mundo, sobre o porquê das coisas serem como são e muitas diferenças a respeito. Verifiquei também, e isso é particular no cristianismo e suas variações, uma grande manipulação e adaptação histórica dos fatos e relatos, de modo a acomodar as descrições religiosas às necessidades políticas e de poder (até mesmo para solapar religiões antigas, como é exemplo na superstição que gato preto dá azar - só porque um religião pagã adorava gatos, assim como acontecia no Egito).
Enfim, procurar entender várias religiões é importante para criar uma maior compreensão, uma visão mais holística, não se prendendo a uma única explicação só porque as pessoas que estão perto de você assim o fazem. A questão de qual religião você segue nem é importante. O importante, talvez, seja procurar entender o porquê da necessidade de seguir uma religião.
E quando você começa a analisar essa questão com um olhar mais racional, começa a perceber muitas idiossincrasias, que são proporcionais à religiosidade da pessoa.
Por exemplo, é comum desportistas atribuírem suas vitórias à vontade de deus. Mas que deus seria esse, que lhe dá a vitória? Afinal, ao mesmo tempo, teria que dar a derrota ao outro jogador. E no esporte nem todas as vitórias são justas. Logo, se isso fosse verdade, deus também não seria justo.
E que dizer de um acontecimento que aparentemente deveria causar a morte da pessoa, como o caso de um acidente automobilístico, mas ela sobrevive? Logo dizem que foi "graças à deus". Mas, então, por que deus permitiu que essa pessoa se acidentasse? A troco de quê? De dar uma lição a ela para alguma coisa na vida? Então deus olha cada pessoa, impingindo sofrimentos e castigos quando acha que ela é merecedora? É por isso, então, que permite a dor, doenças, guerras, fomes e até mesmo o azar? Não seria uma concepção exageradamente estreita e maniqueísta da vida?
Já verifiquei casos interessantes, como o de um gerente que era muito rígido (não ríspido) em defender regramentos e os critérios que considerasse justo, em prol da empresa onde se destacava - até mesmo prejudicando funcionários e fornecedores, se necessário (embora essa não seja uma boa estratégia de longo prazo). Surpreendeu-me constatar que, fora do ambiente de trabalho, era uma pessoa profundamente religiosa. Eu não o via praticar os mesmos ensinamentos religiosos no trabalho. Daí comecei a imaginar se a religião não seria uma forma de escape, de se sentir bem consigo mesmo, apesar de ciente que não necessariamente agia de forma justa e solidária com o próximo. Bom, eu particularmente não me sentiria bem comigo mesmo agindo da forma que ele atuava no trabalho, pois prefiro soluções que tenham valor para as partes envolvidas, ao invés de querer sempre obter vantagem.
De qualquer modo, não pretendo discutir sobre religiosidade, apenas questiono sobre o porquê de existir tanta intolerância causada pela religião, como no caso da empresa do anúncio de emprego.
Algumas vezes já percebi pessoas se afastarem de mim ao saberem que não sou religioso. Mas eu não faço a mesma coisa pelo fato da pessoa ser cristã, judia, muçulmana, budista, etc. Não deveria ser o contrário? Quanto mais religiosa a pessoa, mais tolerante ela não deveria ser? Afinal, as religiões não pregam a tolerância?
Então por que tem gente que discrimina quem não é da mesma religião, como no caso da empresa do exemplo acima? Aliás, não é assim que se iniciam tantas guerras, apenas por não se aceitar a diferença - o Oriente Médio que o diga?
Acabo ficando com a percepção que as pessoas mais religiosas são mais intolerantes e discriminadoras. Isso porque confundem fé com religião. Fé está ligado a acreditar, em ter uma expectativa, não necessariamente de cunho religioso. Só que, ao estabelecerem o limite da compreensão ao que é determinado pela religião, sem questionamento, criam a "fé cega", a intolerância por quem não tem a mesma crença. Daí a religião, que deveria unir, acaba por afastar as pessoas. Não se tolera pensar diferente.
É justamente por isso, e por não me sentir adequado a nenhuma religião (embora ache mais interessante a fundamentação das religiões orientais que a do cristianismo), que resolvi adotar uma postura agnóstica.
Não é que eu seja ateu (embora não negue tal tendência). É que eu simplesmente acho que podem existir diferentes explicações do mundo, diferentes pontos de vista e diferentes justificativas para religiosidade. Por que todos deveriam ser iguais? O objetivo de ser agnóstico é simplesmente esse: de procurar não ser intolerante, determinístico, manter-se aberto para concepções distintas, diante da impossibilidade de se chegar a uma verdade absoluta e definitiva (o que seria, assim me parece, muito pretensioso). E isso não significa que eu não possa discordar e criticar, muito pelo contrário. Acho justo que cada um tenha direito a formular e discutir crenças e percepções, erradas ou não.
Não sou afeito à questão religiosa como explicação da realidade. Acho muito mais interessante o estudo da física, da cosmologia e da própria filosofia, como fontes muito mais enriquecedoras de compreensão - mesmo que compreender seja tornar tudo ainda mais incerto!
Enfim, já me disseram, mais de uma vez, que, se eu fosse religioso ("tivesse fé") seria mais feliz. É provável. Colocaria antolhos e teria, diante de mim, uma realidade bem mais limitada, bem mais simples, bem mais controlada e explicável, com menos incertezas (que seriam apenas a "vontade de deus").
Mas prefiro não ser feliz dessa maneira.

2 comentários:

  1. Só para constar: eu disse que se vc tivesse fé vc seria mais feliz, não que se vc tivesse uma religião vc seria mais feliz. Como vc deturpa as coisas!

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