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28 de out. de 2012

Do Surgimento do "Sistema Toyota de Produção"


A partir do período conhecido como “Restauração Meiji” (reinado do imperador Mutsuhito, 1868 a 1912), foram realizadas reformas que permitiram ao Japão registrar um progresso industrial constante. Mas o término da II Guerra Mundial deixou o país em grave situação, com a economia praticamente destruída, além de moralmente abalado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki.
Para evitar maior influência de ideologia de países socialistas e assegurar seu domínio na região, foi decisivo o investimento americano na recuperação do Japão.
Pelos padrões dos anos 90, o Plano Marshall gastou muito pouco dinheiro e com parcimônia. O Plano foi liberal em suporte técnico e consultoria, mas deu dinheiro apenas como ‘semente’ a empresas que tivessem um histórico convincente e apresentassem um plano realista, com metas claras de desempenho. E tanto o suporte como o dinheiro eram retirados no momento em que a empresa – fosse ela privada ou do governo – desviasse dinheiro do plano acertado ou deixasse de atingir as metas prefixadas de desempenho. (Drucker, 1999, p. 261)
Esse processo acabou gerando um aprimoramento no desenvolvimento econômico japonês como ainda não se havia verificado, embora não suprisse as grandes dificuldades de um país derrotado, destruído e carente de matérias-primas e de infraestrutura industrial.
(...) houve o efeito, menos mensurável, mas ainda assim imenso, da contribuição americana, da inovação americana, do otimismo americano sobre o pensamento dos japoneses, dos empresários em particular. A "democratização" do país por iniciativa americana serviu para ventilar o mundo fechado do capitalismo japonês e de práticas apenas semidemocráticas. Impôs aos japoneses – dizem alguns que restaurou neles – um senso de mais amplas liberdades e horizontes mais largos. O direito de voto parcial transformou-se em sufrágio universal; o Judiciário semi-independente adquiriu independência completa;  um movimento sindical que existia apenas no nome e na memória tornou-se de fato uma poderosa força econômica e social. Na verdade, a Ocupação transformou-se na segunda fase da Restauração Meiji, de 1868. (Gibney, 1982, p. 33)
É diante desse cenário de reconstrução, mas de carência de recursos e tecnologia, que, após uma prolongada greve em 1949, o engenheiro  Eiji Toyoda,  segunda  geração da família fundadora da Toyota Motor Company, fez uma peregrinação de três meses à maior planta da Ford Motor Company nos EUA, onde começou a visualizar as primeiras ideias sobre o aprimoramento dos métodos de produção para a realidade de seu país.
A necessidade de remodelação industrial do Japão ficou clara não só pela destruição causada pela II Guerra, mas também diante da constatação que os produtos japoneses não apresentavam qualidade suficiente para competição no mercado externo. Os estudos de Toyoda visavam a busca de soluções em unidades mais desenvolvidas (em 1950, a fábrica da Ford em Rouge fabricava por dia mais que o dobro da produção da Toyota em um ano) e acabaram levando à necessárias adaptações para a realidade japonesa, onde as técnicas de produção teriam que propiciar bons resultados com o menor investimento possível.
Nesse sentido, foi decisivamente importante a atuação de Taiichi Ohno, um dos principais engenheiros de produção da Toyota, que acreditava que nos momentos de dificuldade os seres humanos (e as empresas) se esforçam para encontrar as melhores soluções e acabam conseguindo (melhoria contínua).


Michael Porter assim considerou esse fenômeno, de transformação de um ambiente de dificuldades em vantagem competitiva:
Implícito na tão repetida afirmação dos japoneses de que "Somos um país insular, sem recursos naturais" encontra-se o reconhecimento de que essas deficiências apenas serviram para incitar nele a inovação competitiva. A produção just-in-time, por exemplo, economizou espaços de custos proibitivos. Os produtores de aço italianos na área de Brescia enfrentaram um  conjunto semelhante de desvantagens: altos custos de capital, altos custos de energia e inexistência de matérias-primas locais. Situadas no norte da Lombardia, essas empresas de capital fechado se defrontavam com custos de logística estarrecedores, devido à distância dos portos do sul e às ineficiências do sistema de transporte estatal da Itália. O resultado: essas empresas foram as pioneiras em mini-usinas tecnologicamente avançadas, que exigem investimentos de capital modestos, consomem menos energia, utilizam sucata de metal como matéria-prima básica, são eficientes em pequena escala e possibilitam a localização dos produtores próximos às fontes de sucata e aos clientes finais. Em outras palavras, convertem desvantagens de fatores em vantagem competitiva. (Porter, 1999, p. 185)
As observações de Ohno junto ao sistema de produção em grandes lotes da indústria americana levaram a importantes reformulações no processo produtivo da indústria automobilística, em muito auxiliando na alavancagem e recuperação do Japão, sendo difundidas para outros países nas décadas seguintes. Exemplo disso é a questão da troca de moldes das prensas de chapas na fabricação de veículos. A Toyota não podia se dar ao luxo de perder todo um dia de trabalho de profissionais especializados para trocar e alinhar o molde em uma prensa. Nem mesmo poderia ter várias prensas especializadas em determinadas peças. Assim, a necessidade de adaptar a produção à realidade japonesa acabou resultando em descobertas que foram decisivas ao aprimoramento das técnicas existentes:
Sua ideia era desenvolver técnicas simples de trocas de moldes, e trocá-los com frequência – a cada duas ou três horas, e não a cada dois ou três meses – usando carrinhos, para trazer os moldes para suas posições e tirá-los, e mecanismos de ajuste simples. Porque as novas técnicas eram fáceis de dominar e como os trabalhadores da produção ficavam ociosos durante a troca de moldes, Ohno teve a idéia de deixar que eles executassem também as trocas de moldes.
Adquirindo um pequeno número de prensas norte-americanas de segunda mão e fazendo exaustivas experiências com elas, a partir do final dos anos 40, Ohno acabou aperfeiçoando sua técnica de troca rápida. No final da década de 1950, ele havia reduzido o tempo necessário para trocar moldes de um dia para surpreendentes três minutos, e eliminado a necessidade de especialistas na troca de moldes. No processo, fez uma descoberta inesperada: o custo por peça prensada era menor na produção de pequenos lotes do que no processamento  de lotes imensos. (Womack, Jones, 1992, p. 43)
Produzir em pequenos lotes maximizando o uso dos equipamentos, diminuir os tempos de setup e eliminar os tempos perdidos em atividades auxiliares do processo produtivo implicava em redução de estoques e, por conseguinte, menor custo financeiro. Também os tempos de retrabalho para corrigir peças defeituosas no final do processo produtivo deveriam ser extintos e a linha de produção teria que resolver os problemas quando eles acontecessem (e não apenas na inspeção final). Mesmo o tempo de engenharia dos produtos (particularmente alto nas empresas automobilísticas, dada a complexidade dos projetos) deveria ser reduzido.
Também era essencial a coordenação de fornecedores, formando uma cadeia de fornecimento de peças com prazos determinados, com o menor custo e a maior qualidade possível. Sem essa interação com fornecedores, a produção com menor estoque não se mostraria viável.
Adaptar as estruturas de produção, gerenciamento e coordenação, com base nesses fundamentos, constituiu um imenso esforço que durou cerca de duas décadas. Mas tal foi decisivo quando, em 1973, o choque na oferta de petróleo, promovido pelos países produtores da OPEP, gerou expressiva alta no preço do combustível. Esse cenário tornou ainda mais viáveis os carros japoneses, econômicos e agora com qualidade, que se tornaram imbatíveis frente os grandes e pouco econômicos carros americanos. Também a produção flexível da indústria automobilística japonesa permitiu uma adequação mais rápida às mudanças de mercado, chegando a um estágio de diferenças marcantes:
(...) o sistema de produção flexível da Toyota e sua habilidade em reduzir custos de engenharia de produção permitiram à companhia suprir a variedade de produtos exigidas pelos compradores sem custos elevados. Em 1990, a Toyota oferecia aos consumidores de todo o mundo tantos produtos quanto a General Motors, ainda que tenha metade do tamanho desta. A mudança da produção e das especificações dos modelos custa, nas firmas de produção em massa, uma fábula. Em contraposição, um proeminente produtor enxuto, como a Toyota, necessita de metade do tempo e trabalho de um produtor em massa como a GM, para projetar um novo modelo. Assim sendo, a Toyota pode oferecer duas vezes mais veículos com o mesmo orçamento para desenvolvê-los. (Womack, Jones, 1992, p. 55)
Por fim, não se pode deixar de destacar o papel de Edward Deming no processo de remodelagem industrial do Japão no pós-Guerra. Suas ideias sobre a necessidade de controles estatísticos para a manutenção da qualidade em plantas fabris inicialmente não tiveram grande difusão em seu país de origem, EUA, onde a questão da qualidade era encarada como obviedade. No Japão, porém, dada a constatação da inferioridade dos produtos locais e a necessidade de ganhos de competitividade, tratava-se de uma questão de sobrevivência.
  
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneiras, 1999.
GIBNEY, Frank. Milagre Bem Planejado. São Paulo: Record, 1982.
PORTER, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
WOMACK, James P., JONES, Daniel T., ROOS, Daniel. A Máquina Que Mudou o Mundo. 11° ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 

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