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27 de abr. de 2025

O Perigo da Compra de Créditos Tributários

Tem sido oferecida para empresas uma solução para redução de impostos federais por via administrativa, que consiste na compra de créditos de terceiros reconhecidos em processo judicial antes da emissão dos respectivos precatórios.

A tese consiste em, uma vez reconhecida a transferência dos créditos no processo judicial, fazer um pedido administrativo para compensar os valores em tributos a vencer, como se a compra de créditos antes da emissão dos precatórios caracterizasse o que a lei chama de "créditos próprios".

Porém, a base jurídica desse entendimento é tênue, para não dizer inválida. As empresas que aderirem a esse procedimento estarão sujeitas a sérias penalidades.

Os dispositivos legais utilizados para divulgar essa tese são os seguintes:

1. O art. 100, §1°, da Constituição Federal[1] e art. 105 do ADCT[2] (Constituição Federal).

Esses dispositivos se referem somente a precatórios e débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, não à compensação de tributos vincendos. No mesmo sentido a Portaria PGFN 1086/2022[3].

2. Por sua vez, o art. 74 da lei 9.430 prevê a compensação apenas de débitos próprios daquele que tiver crédito e não o uso de créditos de terceiros, o que seria considerado como não declarado[4].

De fato, esse é o grande risco das empresas que comprarem esses créditos e adotarem a solução de compensação administrativa. Sofrerão, no futuro, as penalidades como quem não tivesse declarado essa compensação, sendo consideradas devedoras.

3. Para piorar, os divulgadores dessa tese ainda ressaltam sua aplicação no caso de contribuições previdenciárias (INSS patronal). Porém, essas contribuições nem mesmo são administradas pela Receita Federal, de modo que esta sequer poderia tratar de sua eventual compensação.[5]

4. No mesmo sentido, a Instrução Normativa RFB 2055/2021 trata apenas da compensação de créditos próprios e não de adquiridos de terceiros, sendo ainda necessário formalizar um processo administrativo[6].

CONCLUSÃO:

Ante o exposto, não há segurança jurídica na proposta de usar créditos adquiridos de terceiros (mesmo que em processo judicial) e utilizá-los para compensar tributos vincendos antes da emissão de precatórios. Essa compra de crédito de terceiros não os transforma em "créditos próprios" para fins de compensação administrativa, como defendido na proposta que vem sendo comercialmente divulgada.

A compra de créditos tributários de terceiros é válida apenas para seu posterior registro como precatórios (ou a própria compra de precatórios uma vez emitidos), para serem compensados com débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, como previsto no regulamento (não com tributos a vencer).


PÓS-ESCRITO:

Em 24/04/2015 a Receita Federal deflagrou a operação "Obsidiana", tratando justamente de golpes praticados com a oferta do tipo de proposta tratado acima:

RECEITAFEDERAL E POLÍCIA FEDERAL COMBATEM FALSA CONSULTORIA TRIBUTÁRIA QUE CAUSOUPREJUÍZO DE R$ 450 MILHÕES



[1] CF, Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
[...]
§ 11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com auto aplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:
I - quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;       
 
[2] CF, Art. 105. Enquanto viger o regime de pagamento de precatórios previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é facultada aos credores de precatórios, próprios ou de terceiros, a compensação com débitos de natureza tributária ou de outra natureza que até 25 de março de 2015 tenham sido inscritos na dívida ativa dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observados os requisitos definidos em lei própria do ente federado.    
 
[3] Portaria PGFN nº 10826/2022. Art. 1º Esta Portaria disciplina os requisitos formais, a documentação necessária e os procedimentos a serem observados para a utilização dos créditos líquidos e certos, devidos pela União, suas autarquias e fundações públicas, próprios do interessado ou por ele adquiridos de terceiros, decorrentes de decisões transitadas em julgado para quitação ou amortização de débitos inscritos em dívida ativa da União, inclusive em parcelamento ou transação resolutiva de litígio.
[...]
Art. 11. Não havendo impedimento, o Procurador ou Procuradora da Fazenda Nacional formalizará, mediante despacho, a aceitação do precatório para liquidação ou amortização do crédito inscrito em dívida ativa da União e:
I - providenciará o registro do valor líquido disponível utilizado nos sistemas da dívida ativa da União, associando-o ao passivo indicado para liquidação ou amortização;
II - comunicará ao juiz da execução e ao Tribunal acerca da utilização total ou parcial do crédito, nos termos do caput e parágrafo único do art. 5º da Portaria ME nº 10.702, de 16 de dezembro de 2022;
 
[4] Lei 9.430, Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
[...]
§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:
[...]
II - em que o crédito:  
a) seja de terceiros;      
 
[5] [...] 4 . O art. 74 da Lei 9.430/96, em seu §12, elenca os casos em que pura e simplesmente se considera não declarada a compensação, entre os quais quando não se referir a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.  5. Ainda que caiba à Receita Federal arrecadar e recolher as contribuições previdenciárias elencadas no art. 11, parágrafo único, alíneas a a c, da Lei 8.212/91, aquele órgão não as administra, as quais são ainda diretamente creditadas ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, nos termos do art. 2º, caput e § 1º, da Lei 11 .457/07; ademais, o próprio art. 26, parágrafo único, da mesma Lei 11.457/07, previa à época que a essas contribuições não se aplica o disposto no art. 74 da Lei 9 .430/96 – ou seja, sua extinção por compensação com tributos administrados pela Receita Federal.
[...]
(TRF-3 - ApelRemNec: 00000958120134036102, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO MESQUITA SARAIVA, Data de Julgamento: 18/12/2024, 4ª Turma, Data de Publicação: 13/01/2025)
 
[6] Instrução Normativa RFB nº 2055/2021, Art. 64. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo administrado pela RFB, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela RFB, ressalvada a compensação de que trata a Seção VII deste Capítulo.
[...]
§ 3º Consideram-se débitos próprios, para fins do disposto no caput, os débitos por obrigação própria e os decorrentes de responsabilidade tributária apurados por todos os estabelecimentos da pessoa jurídica.
Art. 75. É vedada e será considerada não declarada a compensação do crédito que:
I - seja de terceiros;
[...]
Art. 102. Na hipótese de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, a declaração de compensação será recepcionada pela RFB somente depois de prévia habilitação do crédito pela Delegacia da Receita Federal do Brasil (DRF) ou pela Delegacia Especializada da RFB com jurisdição sobre o domicílio tributário do sujeito passivo.
§ 1º A habilitação a que se refere o caput será obtida mediante pedido do sujeito passivo, formalizado em processo administrativo instruído com: