Tem sido oferecida para empresas uma solução para redução de impostos federais por via administrativa, que consiste na compra de créditos de terceiros reconhecidos em processo judicial antes da emissão dos respectivos precatórios.
A tese
consiste em, uma vez reconhecida a transferência dos créditos no processo
judicial, fazer um pedido administrativo para compensar os valores em tributos
a vencer, como se a compra de créditos antes da emissão dos precatórios
caracterizasse o que a lei chama de "créditos próprios".
Porém, a base
jurídica desse entendimento é tênue, para não dizer inválida. As empresas que
aderirem a esse procedimento estarão sujeitas a sérias penalidades.
Os
dispositivos legais utilizados para divulgar essa tese são os seguintes:
1. O art. 100, §1°, da Constituição Federal[1] e
art. 105 do ADCT[2]
(Constituição Federal).
Esses
dispositivos se referem somente a precatórios e débitos parcelados ou inscritos
em dívida ativa, não à compensação de tributos vincendos. No mesmo sentido a
Portaria PGFN 1086/2022[3].
2. Por sua vez, o art. 74 da lei 9.430 prevê a
compensação apenas de débitos próprios daquele que tiver crédito e não o uso de
créditos de terceiros, o que seria considerado como não declarado[4].
De fato, esse
é o grande risco das empresas que comprarem esses créditos e adotarem a solução
de compensação administrativa. Sofrerão, no futuro, as penalidades como quem
não tivesse declarado essa compensação, sendo consideradas devedoras.
3. Para piorar, os divulgadores dessa tese ainda
ressaltam sua aplicação no caso de contribuições previdenciárias (INSS
patronal). Porém, essas contribuições nem mesmo são administradas pela Receita
Federal, de modo que esta sequer poderia tratar de sua eventual compensação.[5]
4. No mesmo sentido, a Instrução Normativa RFB
2055/2021 trata apenas da compensação de créditos próprios e não de adquiridos
de terceiros, sendo ainda necessário formalizar um processo administrativo[6].
CONCLUSÃO:
Ante o
exposto, não há segurança jurídica na proposta de usar créditos adquiridos de
terceiros (mesmo que em processo judicial) e utilizá-los para compensar
tributos vincendos antes da emissão de precatórios. Essa compra de crédito de
terceiros não os transforma em "créditos próprios" para fins de
compensação administrativa, como defendido na proposta que vem sendo
comercialmente divulgada.
A compra de
créditos tributários de terceiros é válida apenas para seu posterior registro
como precatórios (ou a própria compra de precatórios uma vez emitidos), para
serem compensados com débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, como
previsto no regulamento (não com tributos a vencer).
PÓS-ESCRITO:
Em 24/04/2015
a Receita Federal deflagrou a operação "Obsidiana", tratando
justamente de golpes praticados com a oferta do tipo de proposta tratado acima:
[...]
§ 11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com auto aplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:
I - quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;
[...]
Art. 11. Não havendo impedimento, o Procurador ou Procuradora da Fazenda Nacional formalizará, mediante despacho, a aceitação do precatório para liquidação ou amortização do crédito inscrito em dívida ativa da União e:
I - providenciará o registro do valor líquido disponível utilizado nos sistemas da dívida ativa da União, associando-o ao passivo indicado para liquidação ou amortização;
II - comunicará ao juiz da execução e ao Tribunal acerca da utilização total ou parcial do crédito, nos termos do caput e parágrafo único do art. 5º da Portaria ME nº 10.702, de 16 de dezembro de 2022;
[...]
§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:
[...]
II - em que o crédito:
a) seja de terceiros;
[...]
(TRF-3 - ApelRemNec: 00000958120134036102, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO MESQUITA SARAIVA, Data de Julgamento: 18/12/2024, 4ª Turma, Data de Publicação: 13/01/2025)
[...]
§ 3º Consideram-se débitos próprios, para fins do disposto no caput, os débitos por obrigação própria e os decorrentes de responsabilidade tributária apurados por todos os estabelecimentos da pessoa jurídica.
Art. 75. É vedada e será considerada não declarada a compensação do crédito que:
I - seja de terceiros;
[...]
Art. 102. Na hipótese de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, a declaração de compensação será recepcionada pela RFB somente depois de prévia habilitação do crédito pela Delegacia da Receita Federal do Brasil (DRF) ou pela Delegacia Especializada da RFB com jurisdição sobre o domicílio tributário do sujeito passivo.
§ 1º A habilitação a que se refere o caput será obtida mediante pedido do sujeito passivo, formalizado em processo administrativo instruído com: