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10 de out. de 2015

Quando o Consumidor Quer Ser Enganado

Em uma aula de propriedade intelectual, curso de pós-graduação em direito, foi apresentado o seguinte questionamento:
O Walmart, no Rio Grande do Sul, divulgava informações (panfletos e cupons) com os preços praticados pelos concorrentes. Seria tal prática legal?
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) entendeu que não (ver AQUI).
Argumentei que essa visão, que advém do direito concorrencial e de algumas teorias econômicas, é completamente equivocada. Observei o seguinte:
1) Antigamente eu verificava lojas do Walmart fazendo essa comparação, particularmente com o Carrefour, mas não constatava mais tal prática.
2) O argumento que a disponibilização desse tipo de informação ensejaria prática monopolista não é correto. Primeiro porque a concorrência propicia ao consumidor adquirir produtos melhores e mais baratos. Segundo porque, se o suposto monopolista eliminasse a concorrência e voltasse a praticar preços altos, novos concorrentes surgiriam. Terceiro porque surgiriam alternativas de comercialização, caso o canal tradicional de varejo fosse prejudicado (por exemplo, via internet), em consonância com o conceito de "destruição criadora" (ver AQUI e AQUI).
3) O consumidor faz uma ponderação entre qualidade e preço, entre outros fatores (status, utilidade etc.). São os desejos do consumidor que ensejam a variedade de oferta de produtos, dificultando que uma empresa concentre todas as vendas em um mercado - o monopólio é dado pela impossibilidade de escolha, não pelo acesso à informação.
4) Que, quando o Walmart iniciou atividades no Brasil, fez promoção de geladeiras a preços muito baixos, levando o fornecedor a comprar de volta o estoque para não prejudicar outros clientes. Ou seja, esquece-se que os fornecedores também têm poder de mercado, que são uma das forças concorrenciais (ver AQUI).
A partir daí, fiquei a ouvir as tentativas de refutação desses argumentos, todas infundadas:
A) Uma aluna disse que o Walmart não podia apresentar a informação comparativa de preços porque o consumidor poderia ser confundido. Por exemplo: em determinado dia, seria feita uma oferta mostrando que o preço no Walmart estava mais barato. Em outro dia, quando tal propaganda não fosse apresentada, o consumidor consideraria que o Walmart é mais barato porque viu a propaganda anteriormente.
Ora, esse tipo de argumento consiste em considerar o consumidor absolutamente incapaz. Parte do pressuposto que o consumidor considera o anúncio, mas não o preço indicado no mesmo, que não faz comparação, que não tem nenhuma experiência de compras anteriores.
B) O professor disse que a decisão do TJ-RS estava correta, pois o objetivo da concorrência não seria atender o consumidor, mas o mercado. E ainda destacou que a base desse entendimento seria a Constituição Federal.
Tentei argumentar que a concorrência deveria ser encarada como algo supraconstitucional (afinal, a concorrência não é invenção da Constituição Federal, nem existe em apenas um país - ainda mais sendo esse país o Brasil).
C) Um aluno chegou a dizer que eu "partia da premissa errada", pois não estava analisando a questão "pelo ponto de vista histórico".
Queria ele dizer, com isso, que a história provaria que o mercado tende a gerar concentração e eliminar a concorrência. Ou seja, que a concorrência seria uma força auto-destrutiva e que não se renovaria - o mercado seria estático.
Obviamente, nada mais equivocado. O referido aluno apenas demonstrou ignorância sobre história e economia. Fiquei com a impressão que, na visão dele e do professor, o direito deve ter inventado a economia.
D) O argumento mais recorrente foi que, se uma empresa vende mais barato, ela irá concentrar o mercado e passará a vender mais caro, prejudicando o consumidor.
É incrível como as pessoas não percebem que, se uma empresa vende mais barato, as outras empresas serão forçadas a vender mais barato também. Se não conseguirem, terão que encerrar as atividades ou mudar de nicho de mercado.
Porém, se uma empresa pratica preços baixos e consegue abocanhar a maior parte do mercado, como ela fará para aumentar preços depois, sem atrair novos concorrentes? E como ela irá impedir que novos canais de venda sejam criados? Ou que fornecedores resolvam criar suas próprias lojas?
A resposta seria que essa empresa só conseguiria fazer algo assim se tivesse garantida a reserva de mercado, o que teria que ser obtido pela proteção estatal. E garantido por consumidores, como o professor e alunos dessa classe, dispostos a pagar mais caro (embora eu desconfie que, na prática, a ação não corresponda ao discurso).
Enfim, ninguém soube responder minhas provocações.
O professor acabou dizendo algo no sentido que não adiantaria questionar, pois ele não mudaria de opinião.
Como a aula não era sobre direito concorrencial, e o assunto já estava incomodando o professor, decidi não questionar mais a respeito. 


Um comentário:

  1. Também entendo que o ST-RS errou nesta decisão. Além dos seus argumentos, eu penso que outras formas de um estabelecimento se afirmar sobre a concorrência diante dos clientes também são frequentes. Por exemplo, a promessa de cobrir qualquer oferta. A autonomia da empresa, segundo a linha de raciocínio dos que concordam com a ilegalidade, seria abalada a tal ponto de não poder decidir sobre o preço de suas mercadorias, sendo esta prática também uma forma de monopolizar ou eliminar concorrência.

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