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9 de jun. de 2019

E se eu Não Soubesse?


Vendedor de uma loja manifestou interesse em procurar outro trabalho enquanto estivesse em férias, informando que pediria demissão caso conseguisse.
De fato, ao retornar do período de férias, preencheu formulário com pedido de demissão, mas deixou o campo de aviso prévio em branco - disse que ficaria por conta da empresa decidir se o aviso prévio seria trabalhado ou indenizado.
Como eu era o representante da empresa, decidi que a demissão seria prontamente aceita e o aviso prévio seria descontado nas verbas rescisórias.
Qual a segurança eu tinha para essa decisão?
Durante o perído de férias do vendedor, o estabelecimento ao lado, que estava para alugar, foi preparado e abriu as portas. Tratava-se de uma loja no mesmo ramo da empresa onde o vendedor trabalhava. E lá estava ele, todo dia, atuando normalmente na nova loja, quando deveria estar em férias.
E não é só isso. Pesquisando a respeito na Junta Comercial, descobri que o vendedor era sócio da nova loja!
Ou seja, aproveitando-se das informações que tinha, abriu um estabelecimento concorrente (obviamente, estava se preparando a respeito antes de entrar em férias). Daí achou que poderia voltar das férias e cumprir aviso prévio trabalhando, aproveitando a situação para se apoderar de mais informações e podendo direcionar clientes para a sua loja ao lado, onde seriam atendidos por seus sócios. Ou, na pior das hipóteses, receberia uma indenização pela dispensa do aviso prévio.
Ciente do ardil, eu já vinha preparando documentação e fotos do vendedor atuando em seu novo estabelecimento, além de contar com testemunhas.
No dia de fazer a homologação da rescisão no sindicato (o fato ocorreu antes da lei 13.467/2017 e havia previsão expressa na Convenção Coletiva pela necessidade de homologação), o demissionário disse que não concordava com os termos rescisórios, pois não devia ser descontado o aviso prévio.
De sua parte, a representante do sindicato (Sindicomerciários) informou que não via problema algum no fato de ter o demissionário começado a trabalhar em outra empresa no período de férias, de modo que não aceitou homologar a rescisão.
Mas eu sabia que não era assim. Cheguei a, discretamente, gravar esse encontro com o celular.
Depois disso, para que a falta de homologação não implicasse em nulidade do pedido de demissão (como previsto na Convenção Coletiva e em acordo com jurisprudência), a empresa protocolou uma Ação Declaratória na justiça trabalhista, com apresentação dos fatos e todos os documentos que haviam sido apurados.
De sua parte, o ex-funcionário apresentou Reconvenção, pretendendo que o pedido de demissão fosse convertido em dispensa sem justa causa, pois teria sido "coagido".
No dia da audiência, fui como representante da empresa. A juíza questionou a pretensão do ex-funcionário, ao observar os fatos e documentos apresentados no processo. Porém, disse que a empresa estava errada em descontar o aviso prévio, de modo que abria-se a possibilidade de acordo.
Não aceitei.
Não fazia sentido em alguém, com provas que começou outro trabalho em período de férias, pudesse ainda exigir aviso prévio. Considerei, ainda, a Súmula 267 do TST (com destaque):

Súmula nº 276 do TST
AVISO PRÉVIO. RENÚNCIA PELO EMPREGADO.
O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.

Por fim, ao contrário do que a juíza havia dito em audiência, a Sentença foi totalmente favorável ao acolhimento da demissão por justa causa com desconto do aviso prévio.
O ex-funcionário recorreu, mas a decisão do Tribunal Regional do Trabalho manteve o decidido.



E se eu não soubesse que existia jurisprudência em favor do desconto do aviso prévio em tal situação? Qual teria sido minha postura quando questionado no sindicato, onde foi dito que o desconto era errado? E, pior ainda, quando foi dito em audiência, pela juíza, que não estava certo o desconto daquela maneira? Depois, em Sentença, analisando os detalhes do caso, a juíza pelo menos verificou que não era assim.
Mas o que teria acontecido com um empresário, nessa situação, questionado por todos os lados?
Por óbvio, teria se visto forçado a fazer um acordo, pagando o que não era devido.
Por ter conhecimento a respeito, e decidir levar o caso adiante, com todo o desgaste e incertezas de um processo trabalhista, não cedi diante da pretensão de um aproveitador.

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