Decerto que o título deste artigo é um tanto radical,
ao comparar as montadoras de automóveis com a suposta "crise das
saúvas" ("ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o
Brasil”, frase supostamente de Saint-Hilaire). Porém, o objetivo é chamar atenção
para as políticas errôneas adotadas pelo Governo Federal em favor do setor
automobilístico - medidas essas que se explicam mais por pressão política e influência
que por qualquer lógica econômica, ao contrário do que (não se) diz nos
noticiários.
Uma das muitas coisas insuportáveis na televisão hoje
em dia é o constante bombardeio de propagandas de automóveis. Procura-se
realizar verdadeira lavagem cerebral no consumidor para que adquira um veículo,
como se fosse o mais essencial bem da vida.
Também se observa que vez ou outra nos telejornais
aparecem desconhecidos especialistas, com a alcunha de economistas, alertando
que medidas de desoneração são causa de queda de arrecadação ("renúncia
fiscal").
De outro lado, infelizmente, o governo brasileiro vem
adotando medidas protecionistas, dificultando e aumentando a tributação sobre
bens importados - e particularmente automóveis. O resultado todo mundo já sabe:
o carro vendido no Brasil é muito mais caro que o fabricado no exterior.
Cabe, então, fazer algumas ponderações:
Em primeiro lugar, as desonerações que o governo vez
ou outra tem realizado em favor do setor automotivo, de per si, são prejudiciais à economia. Por serem medidas de cunho
temporário, e com a influência da propaganda massiva, acabam apenas por
antecipar o consumo de automóveis. Só que isso acontece em detrimento de todos
os demais setores. Afinal, superestimuladas para adquirir carros, as famílias
acabam se endividando e, inevitavelmente, tendo que cortar outros itens do
orçamento. No final, para aproveitar a promoção de redução de imposto sobre
automóveis, muitos acabam comprando um veículo sem realmente necessitarem de imediato,
se comprometendo com um longo período de pagamento e, por conseguinte, tendo
que cortar gastos em outros produtos e serviços, o que acaba por desestimular a
economia em geral. O fraco desempenho do comércio em 2012 é reflexo disso.
Em segundo lugar, o Brasil ficaria muito melhor se
liberasse a importação de automóveis. Aliás, exagerando para fins de
argumentação, ficaria melhor mesmo se, com essa medida, todas as montadoras
fechassem, caso não conseguissem oferecer produtos no mesmo preço e qualidade dos
importados. Afinal, como o carro fabricado (montado) no país é muito caro, menos
recursos da sociedade seriam necessários para aquisição de veículos, aumentando
a disponibilidade de recursos para setores que geram mais empregos - não é o
caso do setor automobilístico e a ausência de montadoras em nada prejudicaria a
parte desse setor que realmente gera emprego (manutenção e serviços).
Em terceiro lugar, ao contrário do que os corifeus da
economia dizem nos telejornais (seja por desconhecimento, seja por
desonestidade intelectual mesmo), reduzir impostos não necessariamente diminui
a arrecadação. Aliás, essa é a primeira coisa que se diz quando ocorre
desoneração tributária em favor do setor automobilístico, o que causa a
impressão de ser uma justificativa para não conceder o mesmo benefício para
todos os outros setores (isso, sim, incentivaria a economia e a geração de
empregos).
Como a carga tributária é muito elevada, a
desoneração de impostos liberaria mais recursos para investimento pelo setor
produtivo, que é quem realmente movimenta a economia (não é o governo, como
também fazem crer alguns desses economistas). Veja-se o caso do fim da CPMF.
Tantas ameaças foram feitas, que o setor de saúde ficaria sem recursos, que a
arrecadação iria cair, etc., e o que se viu, quase que imediatamente, foi o
contrário: a arrecadação brasileira seguiu batendo recordes.
Se desoneração tributária significasse, por si só,
queda na arrecadação, simplesmente não existiria a chamada "guerra
fiscal", que viabilizou o crescimento de vários estados.
Infelizmente, existe uma conotação que o que é dito
nos jornais e telejornais tem caráter de verdade absoluta. Com isso, falácias
são difundidas no imaginário popular e as políticas erradas, prejudiciais à
sociedade, acabam se firmando. Em prejuízo de todos - salvo alguns setores,
como o automotivo.