Um dos grandes problemas das
empresas familiares, quando membros de uma mesma família estão nos postos de
direção, é que, em caso de desentendimento ou necessidade de tomada de decisões
mais drásticas, pode ficar difícil resolver divergências. Por exemplo, um pai
pode se sentir inibido em adotar uma ação que um filho não concorde, ou
vice-versa. Além disso, a intimidade de um relacionamento familiar pode tornar as
divergências mais explícitas, aumentando o conflito.
Verifiquei, na prática, o
seguinte exemplo desse tipo de situação:
Em uma empresa, que estava em
crise financeira, se fazia urgente a tomada de medidas reestruturantes. Porém,
a direção estava a cargo de 3 membros de uma mesma família, havendo grande
divergência entre 2 deles, enquanto o terceiro assumia uma postura passiva e,
eventualmente, acabou saindo do negócio e seguindo por outros caminhos, talvez
inibido com a situação.
Em todo caso, a divergência
entre os dois principais membros da direção da empresa gerava um estado de
imobilismo. A resolução dos problemas simplesmente não acontecia. O
interessante é que os dois diretores reconheciam corretamente os problemas,
porém não concordavam sobre a forma de agir. Assim, nada faziam, sob o
argumento que o outro não concordaria e impediria a execução de algum plano, já
que não conseguiam chegar a um consenso a respeito. Com isso, a empresa ia
progressivamente afundando, com crescente endividamento, perda de ativos e
queda de participação no mercado. Uma crise eminentemente interna, por mais que
o mercado se mostrasse desfavorável em alguns momentos.
Uma das principais medidas
que precisavam ser tomadas nessa empresa era a redução no quadro de
funcionários, que estava exagerado. Isso acontecia porque os membros da
diretoria, ao não planejar, acabavam por deixar a decisão de contratação para gerentes
de segundo escalão, os quais tinham como parâmetro apenas as necessidades que identificavam
em seu trabalho cotidiano, e não as reais necessidades da empresa - ou seja,
contratavam à medida que era conveniente para suas necessidades de trabalho, nada
mais que isso.
Eventualmente o problema da
direção da empresa foi resolvido com a divisão da mesma em duas unidades
distintas, separando diferentes áreas de atuação, ficando cada uma sob inteira
responsabilidade de um diretor - e, desse modo, cada diretor passou a assumir
responsabilidades e tomar decisões que não fazia quando atuavam em conjunto.
Nessa transição,
naturalmente, foi tomada a decisão difícil de um drástico enxugamento no número
de postos de trabalho - o que se mostrou como medida acertada, já que,
posteriormente, a produtividade aumentou.
Nesse processo de demissão do
pessoal em excesso, foi identificado o caso incrível abaixo:
Havia um gerente que
trabalhava há muitos anos na empresa. Com o passar do tempo, ele entrou em
situação de divergência com um dos membros da direção, que teoricamente seria
responsável pela área onde esse gerente atuava. Porém, por causa da divergência
na gestão familiar, ao invés de simplesmente demitirem o tal gerente, os
diretores adotaram várias justificativas para não resolver o caso: ou que não
era assunto estritamente de sua área, ou que o gerente poderia fazer reclamação
trabalhista por algum problema auditivo, ou que não lhe faltava muito tempo
para a aposentadoria, ou que não havia dinheiro para demitir (velha desculpa
equivocada, já discutida em outro artigo - ver aqui), entre outras.
Enfim, não foi tomada nenhuma
decisão a respeito do desligamento do gerente, que era velho conhecido de um
dos diretores e virou desafeto do outro.
Qual decisão adotaram? A pior
possível: o meio termo.
Para evitar as divergências
com um dos diretores, o gerente foi afastado do trabalho. No entanto, para não
criar uma situação de constrangimento com o outro diretor, que o conhecia há
muito tempo, tampouco foi realizada a demissão. Resultado: o gerente foi
simplesmente mandando para casa, onde ficava recebendo seu salário, sem
trabalhar. E ficou nessa situação por longos 3 anos! Inacreditável esse tipo de
situação numa empresa privada!
Nesse período, conforme
relatou, o gerente tentou conversar sobre sua possibilidade de demissão, mas os
diretores nada resolveram a respeito, envoltos em seu imobilismo.
O gerente acabou conversando
a respeito com um advogado que, certamente impressionado pela situação,
aconselhou-o a não fazer nada. Afinal, estava recebendo o salário em dia sem
trabalhar. Nada produzia, recebia o salário, a empresa ainda tinha os encargos
sociais correspondentes e, com o passar do tempo, apenas aumentava o custo de
sua demissão. E, além disso, era um tempo que ele contava para aposentadoria. E
poderia aproveitar esse tempo livre para realizar outras atividades, até mesmo algum
outro trabalho. A empresa nada mais cobrava dele, apenas depositava o salário
em conta todo mês... Quem não gostaria de estar numa situação dessas?
Nesse período de 3 anos, estimo
que esse gerente teve um custo para a empresa de pelo menos R$ 200mil,
incluindo salários e encargos.
Por fim, coube a mim resolver
esse dilema. Conversei com o referido gerente e o mesmo mostrou-se bastante
indignado pela situação. Apesar de receber sem trabalhar, em nada estava
satisfeito com o tratamento de indiferença que tinha recebido da direção da
empresa nesses anos e seu desejo era ter resolvida a situação, com sua
demissão.
Para demiti-lo, a empresa
teria que gastar uns R$ 20mil, já incluindo a multa rescisória do FGTS. O
problema é que a empresa não tinha como fazer esse gasto de uma vez, com apenas
um funcionário, tanto por causa de seus problemas financeiros, tanto porque
estava demitindo outros funcionários, devido ao quadro em excesso.
E aí estava o problema! Seria
necessário fazer um acordo para parcelar o pagamento rescisório, mas tal
parcelamento não poderia ser feito com Comissão de Conciliação, justamente por
causa da multa do FGTS, que não pode ser transacionada nesse tipo de acordo1.
Portanto, somente um acordo judicial poderia disciplinar tal parcelamento.
Essa era a bizarrice da
situação. O funcionário queria ser demitido. Não queria pedir demissão (como
normalmente acontece), para poder sacar o seu saldo em conta de FGTS (que era
considerável), nem abrir mão da multa rescisória. Por outro lado, a empresa
precisava desesperadamente realizar a demissão, pois não fazia sentido
continuar com a insólita situação de pagar salário de um funcionário que não
precisava, nem estava satisfeito com a situação.
Ou seja, diante das
circunstâncias, nada mais natural que firmar um acordo compreendendo os
interesses de ambas as partes.
Mas não seria fácil um acordo
desses na Justiça do Trabalho.
Para os juízes trabalhistas,
não existe simples acordo de vontades entre empregado e empregador, mas
conflito. O porquê disso talvez seja o fato de essa justiça lidar habitualmente
com situações conflituosas, por ser tal visão inerente ao pensamento da grande
maioria dos juízes trabalhistas (normalmente tendenciosos contra os
empregadores), e também porque, não sejamos ingênuos, muitos são aqueles que só
pensam em levar vantagem nas relações econômicas.
Ou seja, se as partes
quisessem fazer um acordo, para resolver uma situação com a qual já
concordavam, seria tecnicamente necessário que entrassem em conflito, que
contratassem advogados (aumentando o custo da rescisão), que aguardassem data
de audiência e, só então, contando com a boa vontade do juiz e não deixando ele
perceber que já teriam conversado sobre qualquer possibilidade de acordo previamente,
só assim, poderiam ter sucesso em fazer um acordo incluindo o parcelamento da
multa rescisória do FGTS! Mais fácil seria a empresa não agir de boa-fé,
simplesmente mandando o funcionário embora e, depois, tentar fazer um acordo em
processo trabalhista ou, caso tal não fosse possível, tomar as medidas que
pudesse para retardar a execução, assumindo uma postura de maior custo que geraria
mais insatisfação.
Diante desse cenário confuso,
qual solução adotar?
Como foi um caso insólito, a
solução encontrada também foi insólita:
O funcionário emprestou para
a empresa o valor equivalente à multa do FGTS, que deveria ser quitado de uma
vez.
Com isso, a empresa fez o
pagamento da guia correspondente à multa, assumindo um contrato de empréstimo
com o funcionário.
De resto, as partes
negociaram o pagamento parcelado da rescisão e homologaram acordo a respeito em
Comissão de Conciliação, mediante solicitação do próprio funcionário. Com isso
ele pôde sacar o saldo do FGTS depositado.
De sua parte, a empresa fez o
pagamento mensal acordado, tanto da parte do empréstimo que recebeu, quanto do
pagamento da rescisão - como a empresa não tinha mais que arcar com o salário
desse funcionário, nem os encargos correspondentes, conseguiu manter a
regularidade desse pagamento.
Depois disso, ainda apareceu
uma dívida que esse ex-funcionário tinha com a empresa, referente material que
comprou e não pagou, simplesmente porque não foi cobrado, diante do descontrole
na direção da empresa.
E agora? Cobrar isso depois
de uma situação tão desgastante, onde tivemos que pensar numa solução factível,
poderia ensejar inconformidade do ex-funcionário e mesmo colocar todo o acordo
a perder.
Assim, esperei chegar próximo
da última parcela do pagamento e mandei uma carta para ele, com cópia da nota
fiscal do item que havia comprado, dizendo que eu estava fazendo uma avaliação
dos créditos em aberto e concederia a ele o pagamento daquele saldo sem juros,
deixando para descontar apenas na última parcela do acordo, como forma de não
prejudicá-lo.
O desconto foi feito e ele
nada reclamou a respeito.
Caso, finalmente, encerrado!
...
1. Os artigos 625-A a 625-H disciplinam a atuação das
Comissões de Conciliação, não estabelecendo o poder de transacionar com FGTS.
Essa questão fica mais clara quando se considera a Portaria
n° 329 do Ministério do Trabalho e Emprego, que estabelece procedimentos para a
instalação e o funcionamento das Comissões de Conciliação Prévia e Núcleos
Intersindicais de Conciliação Trabalhista:
Art. 11. A
conciliação deverá cingir-se a conciliar direitos ou parcelas controversas .
Parágrafo
único. Não pode ser objeto de transação o percentual devido a título de FGTS, inclusive a multa de 40%
sobre todos os depósitos devidos durante
a vigência do contrato de trabalho, nos termos da Lei n° 8.036, de 11 de maio
de 1990.
O texto acima é baseado em caso real, mas os fatos sofreram adequações para fins didáticos.
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