Um advogado me disse, certa
vez, que era muito comum virem empresários com problemas financeiros a seu
escritório, argumentando que precisavam demitir funcionários, mas não tinham
como pagar as rescisões. A conversa era, quase sempre, mais ou menos a
seguinte:
- Não tem dinheiro para pagar as rescisões? Demita! - era o conselho do advogado.
- Mas, doutor, a rescisão é cara e tem a multa do FGTS...
- Demita!
- Mas o prazo para pagar é curto...
- Demita!
Por fim, o advogado
demonstrava que, se a empresa estava com excesso de pessoal, precisando
diminuir custos, e se, por um motivo ou outro, não tinha mais trabalho para
todo pessoal que mantinha empregado, demitir, apesar das despesas com rescisão
e FGTS, era a melhor saída.
Isso porque, ao optar por
manter o excesso de pessoal no emprego, a situação financeira da empresa
tenderia a ficar ainda pior.
Afinal, com base no salário
de cada funcionário, seria necessário pagar, mensalmente, o correspondente a 8%
referente depósito de FGTS. Além disso, a cada mês, o contratado tem um custo
adicional de 11,11% do salário, referente aquisição de direito de férias anuais
mais 1/3 de adicional. E mais 8,33% que seria o mensalmente correspondente ao
direito ao 13º salário, que é proporcional ao número de meses trabalhados no
ano. E mais o seguro de acidente de trabalho, que corresponde a algo entre 1% e
3% do valor da folha de pagamento, podendo atingir percentual maior se a
empresa vem apresentando registros de acidentes de trabalho. E isso sem falar
nas despesas com elaboração e controle da folha de pagamentos, com material de
segurança, reflexos em outras exigências (relatórios, quotas para aprendizes,
quotas para deficientes), etc.
E mais: não sendo a empresa
inscrita no Simples (Sistema Integrado de
Imposto e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte)
- sistema que impõe séria limitação em seu faturamento -, terá ainda o
pagamento equivalente a 20% do valor do salário para o INSS, a título de
contribuição patronal, além de 3,3% ao duvidoso "Sistema S" (Senai,
Sebrae, Sesc, etc.).
E mais que isso, se a empresa
está com excesso de pessoal, é necessário considerar que o salário pago no mês
abrange não somente os dias de trabalho, mas também os fins de semana e feriados.
E esse descanso tem, portanto, o custo do salário, do INSS e do FGTS.
Ou seja, quanto mais a
empresa posterga a decisão de demitir pessoal, quando evidentemente seu quadro
está excessivo diante da demanda e de sua capacidade financeira, pior ficará a situação.
Além de manter um custo considerável com o excesso de pessoal (um investimento
que não justifica uma receita correspondente), o passar do tempo torna o custo
com as rescisões ainda maiores.
Claro que sempre vai aparecer
gente sem experiência, sem conhecimento da prática e da realidade empresarial,
dizendo que o erro foi a empresa ter contratado mais pessoal do que precisaria.
Mas a verdade é que esse tipo de situação não decorre necessariamente da falta
ou erro de planejamento. O ambiente empresarial está sujeito à influência de
inúmeros fatores, muitos dos quais fora de controle e previsão.
Basta uma mudança de mercado
(que pode ter inúmeras causas, como produtos substitutos, alterações legais,
mudança na taxa de juros, câmbio, expectativas do consumidor, aumento da
concorrência, etc.), um ciclo negativo de duração mais longa, e a empresa
rapidamente se vê numa situação de desconformidade entre seu quadro de pessoal
e a estrutura necessária para atender a demanda de mercado. E o pior, isso
afeta principalmente as empresas com atividades mais intensivas em mão de obra,
ou seja, as que, pelo menos proporcionalmente, geram maior número de empregos.
É por isso que não faz
sentido, e seria um grande revés ao desenvolvimento econômico, posto que
aumentaria consideravelmente o risco da atividade empresarial e tornaria ainda
mais desinteressante o empreendedorismo, a defesa que alguns fazem contra o
direito do empregador em despedir o empregado, conforme estabelece a
Constituição da República1, defendendo que, uma vez contratado, o
funcionário não poderia mais ser demitido, ignorando-se completamente questões
econômicas, psicológicas e morais, como a aversão ao risco, seleção adversa e
assimetria da informação.
Mas, voltando ao aspecto
prático, se a empresa não tem dinheiro para demitir, deve demitir assim mesmo.
E, quase que certamente, não terá economizado o suficiente, com o que deixou de
pagar de salários e encargos, quando chegar a data do acerto das rescisões2.
Desta forma, existem dois
caminhos possíveis, cuja escolha terá que partir do funcionário demitido e não
da empresa: ele poderá procurar uma Comissão de Conciliação Prévia, se existir,
ou ir direto para a Justiça do Trabalho. A vantagem da Comissão de Conciliação
é que as partes não precisam obrigatoriamente ter custo com advogados,
normalmente cabendo o pagamento de uma taxa por cada audiência, a ser paga pela
empresa.
Tanto na Comissão de
Conciliação quanto na Justiça do Trabalho, as partes poderão firmar um acordo
para pagamento da rescisão em parcelas. Isso irá permitir que a empresa tenha
maior fôlego financeiro e segurança para arcar com os pagamentos, já que estará
deixando de gastar com salários e encargos referentes aos funcionários
demitidos. Além disso, o funcionário demitido não acaba totalmente prejudicado,
já que poderá sacar logo o valor que tiver em conta do FGTS, bem como dar
entrada no pedido de seguro desemprego.
Porém, nenhum dos dois
caminhos irá admitir que se proceda ao parcelamento da multa do FGTS. Essa pode
ser a questão mais preocupante, principalmente no caso de demissão de
funcionários que estejam há muito tempo no emprego. Nesses casos, é necessário
estudar alternativas conforme cada situação. Por exemplo, demitir primeiro
funcionários com menos tempo de contratação, deixando aqueles com maior valor
de multa de FGTS para depois. Ou até mesmo atrasar pagamentos de impostos por
alguns meses, parcelando depois, como forma de se capitalizar para os custos
com as rescisões. Certamente essa medida é mais compensatória que continuar
arcando com os custos de excesso de pessoal, observando apenas para se evitar
ao máximo atrasar a parte do INSS descontada do salário dos funcionários,
devido ao regramento (inconstitucional) previsto na lei do salário mínimo de
20113.
Além disso, a audiência, seja
na Comissão de Conciliação, seja na Justiça do Trabalho, só poderá ser
realizada, por óbvio, após o prazo que seria o devido para pagamento das verbas
rescisórias. E isso, por si só, implicará no pagamento de uma multa, em favor
do demitido, equivalente ao valor de seu último salário, conforme art. 477 da
CLT4.
Mesmo assim, ainda é melhor demitir
que manter excesso de pessoal contratado, pagando salários e obrigações sem a
correspondente entrada de receitas.
Em geral, são sempre grandes
as chances de acordo para pagamento parcelado, seja na Comissão de Conciliação,
seja na Justiça do Trabalho, principalmente se a empresa demonstrar que está
agindo de boa-fé e deixar os demitidos cientes da situação.
Eventualmente existirão
aqueles que não aceitarão acordos ou tentarão tumultuar o ambiente e mesmo
influenciar outros. Para evitar esse tipo de coisa, se forem muitos
funcionários a serem demitidos, é de boa praxe não fazer as rescisões na mesma
data ou em data próxima. Nada pior que um grupo de ex-funcionários
insatisfeitos protestando na frente da empresa. A empresa também pode avaliar
os casos que, por questões humanitárias e de baixo valor, seja melhor mesmo
pagar as verbas rescisórias sem necessidade de acordo para pagamento parcelado.
Por fim, não se deve perder tempo com aqueles demitidos que apresentarem
intransigência para negociar. Perder tempo com eles implica demonstração de
fraqueza. Muitas vezes, ao perceber que outros estão fazendo acordos e a
empresa vem apresentando postura de seriedade, eles podem acabar mudando de
ideia.
Exemplificando, certa vez
realizei reunião com um grupo de funcionários que estava sendo demitido, diante
do fechamento de uma unidade fabril. Deixei claro sobre a necessidade de
realizar acordo para pagamento das rescisões e que a empresa estava aberta a
qualquer negociação. Um dos presentes, que teve problemas para receber as
verbas indenizatórias no emprego anterior, logo se manifestou:
- Pode demorar dois anos, mas isso a gente entra na justiça e consegue
receber. -
sugerindo que não aceitaria acordo algum.
Imediatamente retruquei,
falando para todos:
- Aí será opção de vocês. Quem quiser, pode fazer acordo; quem não
quiser, pode usar a alternativa dele para receber em dois anos.
E isso acabou favorecendo
para que todos fizessem acordo. Até mesmo aquele que havia questionado a
respeito.
Também é importante que a
empresa, antes de ir para audiência de conciliação, prepare propostas de acordo
com certa flexibilidade, para facilitar a negociação. Na Justiça do Trabalho é
comum que o acordo seja combinado entre as partes, por intermédio dos
advogados, antes mesmo da audiência (o juiz acaba apenas homologando o acordo).
Por fim, a empresa nunca deve
ir para uma audiência trabalhista sobre pagamento de verbas rescisórias sem estar
preparada para realização de acordo. E também deve se preparar, junto ao
advogado, sobre a estratégia a ser adotada em caso de não ser possível firmar acordo,
para evitar que incorra na multa de 50% prevista no art. 467 da CLT5.
...
1. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988:
Art. 7º São
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
I - relação de
emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de
lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros
direitos;
2. Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 477 (...)
§ 6º - O
pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de
quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:
a) até o
primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou
b) até o décimo
dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso
prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.
3. A Lei 12.382/11 deveria dispor apenas sobre a
regulamentação do salário mínimo. Porém, veio grávida do seguinte monstro:
Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro
de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o
atual parágrafo único para § 6o:
"Art.
83.
...........................................................
(...)
§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado
referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa
física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes
estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido
formalizado antes do
recebimento da denúncia criminal."
4. Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 477 (...)
§ 6º - O
pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de
quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:
(...)
§ 8º - A
inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de
160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento
da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário,
devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando,
comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
OBS.: Em várias rescisões que acompanhei, nunca
verifiquei o caso dessa multa com base na BTN. Inclusive, o BTN foi extinto em
1991, pela lei 8.177.
5. Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 467. Em
caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante
das verbas rescisórias, o empregador é
obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do
Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas
de cinqüenta por cento.
A respeito da homologação de acordo, citada no texto acima, é necessário destacar que não se refere simplesmente ao fato das partes combinarem um acordo e levarem para o juiz homologar. Isso dificilmente seria aceito, pois o juiz entenderia como provável fraude.
ResponderExcluirAs partes podem ser questionadas sobre a possibilidade de acordo, já sendo o mesmo formulado com a participação de técnico judiciário antes da audiência (nesse caso, o acordo é apresentado para homologação pelo juiz) ou simplesmente chegarem a termos comuns e apresentarem na audiência (já que o primeiro questionamento do juiz do trabalho é se há possibilidade de acordo).